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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro usa 'liberdade individual' para defender o Brasil miliciano dia 7

Colunista do UOL

06/09/2021 12h22

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Ao convocar para a manifestação golpista deste 7 de setembro, Bolsonaro defendeu "que a liberdade individual seja a máxima", em postagem nas redes sociais nesta segunda (6). Por trás da mensagem, está um dos pilares de seu governo: a adoção de uma sociedade miliciana, com cada um por si e Jair acima de todos.

De acordo com a Constituição, nossos direitos individuais são limitados pelos direitos de terceiros e da sociedade, em um delicado equilíbrio. Sabemos que a liberdade de expressão não é direito absoluto porque não há direitos absolutos - nem a vida é, caso contrário, não haveria a legítima defesa. E que todos nós podemos ser responsabilizados quando abusamos desses direitos, atropelando a lei.

Bolsonaro veio subverter esse processo, tornando a impunidade a nova lei.

Desde que assumiu o poder, ele trabalha para propagar a ideia de que o interesse dos indivíduos é sempre mais importante do que o bem-estar da coletividade. Isso não vale a todo o indivíduo, apenas para o "povo escolhido" de Jair Messias, ou seja, os grupos que o apoiam, que fazem parte dos 15% que acreditam em tudo o que ele diz ou dos 9% que estão, hoje, com ele por conveniência.

Entre eles, estão garimpeiros, madeireiros, agropecuaristas que agem de forma ilegal, líderes religiosos ultraconservadores, empresários que desejam fazer o que quiserem sem ser importunados pela CLT, políticos e servidores públicos interessados em levar vantagem, milicianos e parte da banda podre das Forças Armadas e das polícias, entre outros.

No culto bolsonarista, a liberdade individual de não usar máscara é mais importante que salvar vidas na pandemia; a de desmatar a Amazônia é maior do que os impactos mundiais das mudanças climáticas e a consequente falta de água para gerar energia e matar a sede; a de lucrar a qualquer custo é mais relevante do que a de garantir um mínimo de dignidade aos trabalhadores e evitar a ocorrência de escravidão, tráfico de pessoas e trabalho infantil; a de correr nas rodovias está acima da integridade física de outros motoristas e da vida de suas famílias.

Bolsonaro quer 'liberdade' para seu povo escolhido e o 'rigor da lei' aos demais

A convocatória para um "ultimo recado" de Bolsonaro já deixava claro que o presidente entende que a democracia está em risco quando ele e o "povo" (que nada mais é do que a parcela da população que concorda com ele) são impedidos de fazer tudo o que desejam e não quando ele atinge um dos pilares democráticos: o sistema eleitoral.

Após o Tribunal Superior Eleitoral aprovar a abertura de um inquérito interno e enviar uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal por conta dos ataques do presidente, Bolsonaro afirmou no dia 3 de agosto: "Se o povo assim o desejar, porque devo lealdade ao povo brasileiro, uma concentração na Paulista para darmos um último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia".

Bolsonaro tenta implementar um governo em que as regras e normas que balizam a vida em sociedade sejam deixadas de lado em nome da lei do mais forte, ou melhor, do mais armado. E ao invés do Poder Judiciário ser o responsável por julgar eventuais embates, ele quer assumir essa função.

Não à toa, ele sequestrou ou domesticou instituições de monitoramento e controle nos últimos dois anos, atingindo área do Coaf, da Receita Federal, do Ibama, do ICMBio, do Incra, da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do Congresso Nacional. Como não conseguiu o mesmo com o STF e o TSE, vai para cima com seus seguidores.

Dissemina dessa forma, um projeto de sociedade miliciana, onde a Justiça é trocada pelo justiciamento. Na qual a mediação dos conflitos naturais em toda a sociedade é atacada em nome da possibilidade de cada um resolver da forma como melhor entender os seus problemas sem o "incômodo" de fiscais trabalhistas e ambientais, agentes da Polícia Federal e da Polícia Civil, juízes, desembargadores e ministros, deputados e senadores. Da Constituição.

Um projeto em que as instituições atestam o que o "líder supremo" diz diretamente para o povo ou precisam ser emparedadas.

Em uma sociedade miliciana, o povo poderá usar plenamente sua "liberdade individual" para se indignar com chips 5G inexistentes injetados por vacinas chinesas em um complô de bilionários pedófilos templários, mas não para reclamar da gasolina, do gás de cozinha, da energia elétrica, do feijão, do arroz, do óleo de soja, do tomate, do café, do açúcar... Afinal, reclamar disso será considerado antidemocrático.