Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Lira avisa que não vai sacrificar Bolsonaro, sua galinha dos ovos de ouro
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Pressionado a se manifestar após as micaretas golpistas de Jair Bolsonaro no 7 de setembro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não deu sinais de que vai analisar qualquer um dos 136 pedidos de impeachment sobre os quais está sentado em pronunciamento na TV Câmara nesta quarta (8). Apesar de ter dito que é hora de dar fim às bravatas e voltar ao trabalho, em clara referência ao presidente, afirmou que os brasileiros têm um encontro marcado com as eleições em 3 de outubro de 2022, dando a entender que o presidente deve sair apenas pelo voto popular.
A palavra "impeachment" voltou à arena política de Brasília mais pelo desejo de analistas e da oposição, após as micaretas, do que por uma mudança de conjuntura que permitiria cassar o presidente. Os ataques às instituições, apesar de aviltantes, têm se mostrado insuficientes para levar deputados do centrão a entregar a cabeça de Bolsonaro e perder os benefícios de ter um presidente fraco para chamar de seu.
O mesmo não se pode dizer da piora da crise socioeconômica.
Em seu pronunciamento, Lira reclamou do preço da gasolina, que atingiu R$ 7, e do preço de gás de cozinha, uma crítica direta à (falta de) ação do presidente e de sua equipe. E alertou para os impactos da crise. E é aí, nesse combo "inflação, desemprego, fome e crises hídrica e elétrica", que reside a possibilidade de um ponto de inflexão do presidente da Câmara. Ou seja, dele abandonar o barco.
Com Bolsonaro, Lira controla bilhões, mas também a agenda do país
Os pedidos de impeachment de Bolsonaro estão em uma espécie de limbo, sem serem aprovados, nem arquivados. Lira, que está com a reeleição garantida dada a quantidade de recursos que despeja no interior de Alagoas, não quer perder a galinha dos ovos de ouro do centrão antes da hora.
E não são apenas as dezenas de bilhões de reais em emendas regulares ou secretas que ele controla. A possibilidade de impor a agenda de votação legislativa que interessa a poderosos grupos de lobby, de ruralistas a construtoras, não seria igual caso estivéssemos em uma normalidade democrática.
Sob a sua batuta, projetos, como o PL da Grilagem de Terras, passaram facilmente na Câmara, embutidos como "jabutis" em Medidas Provisórias ou através de trâmites-relâmpago sem o devido tempo para debate. A nova Reforma Trabalhista, que atrapalhava até o combate ao trabalho escravo, foi aprovada a toque de caixa e só não viu a luz do dia porque o Senado a rejeitou.
Mesmo juntando a maioria do MDB, PSD, PSDB e defecções no PSL, no DEM e no PL aos 130 votos da oposição, o afastamento do presidente se mantém algo distante devido às possibilidades de ganho trazidas por um presidente no cadafalso. São necessários 342 deputados para impedir Jair.
O outro "leão de chácara" que trava o início de um processo de cassação do presidente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi reconduzido a mais dois anos à frente da PGR. Torce para herdar a indicação de André Mendonça ao Supremo, apesar de não ser "terrivelmente evangélico". Até lá, segue protegendo o pescoço do padrinho.
Permanecendo no cargo, mesmo que venha a se lembrar do que diz o texto constitucional e resolver denunciar Bolsonaro criminalmente, o processo ainda precisará da anuência de 342 votos de deputados para ser aberto pelo STF.
Uma solução via Tribunal Superior Eleitoral também é algo difícil de ocorrer - ela, em última instância, é política, não apenas jurídica, e leva em conta que Bolsonaro mantém o apoio de 24% da população. Caso contrário, já teria sido usada. Se as multidões em São Paulo e Brasília, neste 7 de setembro, foram muito menores do que o presidente prometia, contudo, não podem ser consideradas politicamente desprezíveis.
Lira mandou recados ao presidente, mas também ao STF
O presidente da Câmara reforçou que as eleições vão ocorrer com o uso das urnas eletrônicas, em uma crítica a Bolsonaro, que insiste na introdução do voto impresso. Após presidir a sessão legislativa que rejeitou essa demanda, o deputado afirmou que o assunto estava encerrado e que o presidente saberia respeitar a decisão do Legislativo - coisa que, claro, não ocorreu.
Lira, por outro lado, também deu uma cutucada no Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que a punição de deputados deve ser feita pela própria Câmara. Daniel Silveira (PSL-RJ), por exemplo, foi preso após decisão do ministro Alexandre de Moraes, confirmada posteriormente pelo parlamento sob protestos. Deu uma no cravo, a outra na ferradura.
A declaração de Bolsonaro de que não obedecerá mais decisões de Alexandre de Moraes é, provavelmente, a maior bravata dita na República nestes 33 meses de mandato. Se isso vier a acontecer, o que, na prática, seria um golpe de Estado, Lira será pressionado a abrir um processo de impeachment.
Uma coisa, contudo, é abrir e outro conseguir os votos necessários, como já dito acima. Se fosse hoje, "bombeiros" entrariam na jogada para botar panos quentes e salvar a galinha - como ocorreu com Michel Temer.
Por mais absurdo que seja escrever isso, será difícil responsabilizar Bolsonaro pelos ataques que vêm fazendo às instituições se ele continuar provocando uma lenta erosão à democracia. É uma situação gravíssima, mas da mesma forma que um sapo cozinhando aos poucos na água quente não salta fora da caçarola, esse movimento não desperta o grosso da população e, portanto, não gera o mesmo impacto na base de apoio ao governo.
O mesmo não pode ser dito se a vida dos brasileiros mais pobres e da classe média se tornar um inferno.
Bolsonaro não resiste ao combo apagão, inflação, desemprego alto, fome e falta de água
Postos de trabalho têm sido gerados a passo de tartaruga e, com isso, temos ainda 14,4 milhões de desempregados. Se considerarmos o total de pessoas subutilizadas, são 32,2 milhões. Outras 5,6 milhões estão em desalento: simplesmente não procuram emprego porque sabem que não vão encontra-lo.
A inflação da cesta básica acumula 22% nos últimos 12 meses, de acordo com o Dieese. Gasolina e gás de cozinha não param de subir, corroendo a renda dos brasileiros que, segundo o IBGE, também vem caindo - houve redução de 6,6% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.
O aumento no preço da energia elétrica, como forma de contornar a crise gerada pela incompetência do governo federal (que ignorou os efeitos das mudanças climáticas sobre a vazão da água dos rios e permitiu que os reservatórios das usinas ao limite sem tomar medidas), também vem produzindo ranger de dentes.
Caso a seca reduza o nível das hidrelétricas a ponto de gerar apagões de energia e um racionamento de água mais forte do que aquele que os mais pobres já estão "acostumados", teremos a raiva popular contra Bolsonaro entrando em ebulição.
O escuro e as torneiras secas, somadas a uma inflação que caminha para os dois dígitos e o desemprego ainda alto, são elementos mais do que suficientes para justificar e engrossar protestos nas ruas diante de um presidente que não governa. Protestos que serão ainda maiores se a variante Delta não criar uma terceira onda de mortes por covid-19.
Entre manter sua galinha dos ovos de ouro e ver sua reeleição na berlinda, o centrão pode fazer os cálculos e perceber que sacrificar Jair em 2021 é mais vantajoso do que correr o risco de se contaminar para abandonar o barco apenas em abril de 2022, no início do calendário eleitoral. Nesse caso, os pronunciamentos de Lira podem mudar de conteúdo.
Da mesma forma que a economia decolando em céu de brigadeiro levou à reeleição de Lula em 2006, mesmo com escândalo do Mensalão, e uma crise econômica permitiu a cassação de Dilma Rousseff, dez anos depois, por questões muito menores que o mal causado pela atual gestão, a economia será novamente o fator decisivo. Por mais que a parte anacrônica do empresariado esteja lucrando com o projeto de Bolsonaro, do cada um por si e Deus acima de todos, há um limite.
Jair Messias deve estar rezando para São Pedro mandar um dilúvio. Todos os dias.
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