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'O pão de cada dia quem me dá é o lixo. Vamos para o lixo para comer'
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"O pão de cada dia quem me dá é o lixo. Todo dia, meus filhos e eu vamos para o lixo para comer."
Após um vídeo com pessoas revirando um caminhão de lixo atrás de comida, em um bairro nobre de Fortaleza, viralizar nas redes sociais, movimentos populares organizaram uma busca por elas e doaram cestas básicas. Ao todo, 20 famílias foram beneficiadas.
A ação contou com a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB), do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular.
Parte dos itens das cestas básicas, como arroz, feijão, abóbora, farinha, coco e rapadura de caju, foi produzida em assentamentos e acampamentos do MST no Ceará.
Uma das mulheres que aparece revirando o caminhão de lixo no vídeo gravou um depoimento para os movimentos. É dela a frase que abre este texto. Afirmou que disputa o lixo porque está desempregada.
"Quando o caminhão chega, a gente tem que ser muito ligeira para pegar. Eles jogam, a gente tem quem correr para dentro da caçamba, tem que ser rápido. Os garis não podem dar na nossa mão, porque é o trabalho deles", explica.
De acordo com Neidinha Lopes, da direção estadual do MST no Ceará, os movimentos vão manter um trabalho permanente junto a essas famílias e pretendem ampliar as doações com a proximidade do Natal. A ação que procurou e doou os alimentos foi realizada na semana passada.
"Durante a pandemia, com o aumento da fome, intensificamos um trabalho que já realizávamos nas periferias", afirma. "Neste caso, visitamos o local para entender a dinâmica das famílias que buscam comida no lixo, situação que é recorrente. Estamos construindo uma ação mais massiva para doações nos próximos meses com recursos das cooperativas dos movimentos no interior."
O MST calcula que já doou, nacionalmente, mais de 5 mil toneladas de alimentos e um milhão de marmitas desde que começou a pandemia.
Imagens com pessoas revirando o lixo ou disputando ossos ganharam às redes nas últimas semanas, mostrando o avanço da fome no país.
De acordo com pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 19,1 milhões passaram fome em um universo de 116,8 milhões que conviveram que não tiveram acesso pleno e permanente à comida no final do ano passado. Os famintos eram 9% da população, a maior taxa desde 2004.
Porém, os números já estão desatualizados. O governo Jair Bolsonaro suspendeu o pagamento do auxílio emergencial por 96 dias no auge da pandemia, retornando-o depois com valores insuficientes para a compra de uma cesta básica e para um número menor de beneficiados. Além disso, a disparada da inflação reduziu o poder de compra principalmente dos mais pobres.
Sem projeto para garantir segurança alimentar ao mais pobres, o governo propôs o Auxílio Brasil, um Bolsa Família com estrutura mais precária, defendendo o calote nos precatórios e a mudança no teto dos gastos para financiar R$ 400 - mas só até o final do ano eleitoral.