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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro e centrão usam os pobres para dar calote eleitoral em precatórios

Colunista do UOL

03/11/2021 08h26

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O governo federal e o centrão no Congresso Nacional usam a fome como desculpa para dar um calote em dívidas do poder público. De longe, isso pode soar como Jair Messias contra o "sistema" em nome dos mais pobres. Mas, de perto, vemos que a PEC dos Precatórios vai ampliar o montante de recursos a que o governo e parlamentares terão acesso para facilitar sua reeleição no ano que vem. Há uma chantagem cujo grande prêmio nunca foi a sobrevivência dos pobres, mas a da classe política que comanda o país.

Diante do questionamento sobre o impacto para o país de o governo postergar o pagamento de dívidas públicas, o que inclui dinheiro devido a aposentados que foram vítimas de erros de cálculo em suas pensões, o ministro da Economia Paulo Guedes apela para o cinismo. Afirma que é muita maldade negar R$ 30 bilhões a quem está passando necessidade.

Logo ele que, entre 31 de dezembro e o início de abril negou, junto com Bolsonaro, o pagamento do auxílio emergencial, deixando na mão milhões de família no momento mais grave da pandemia de covid-19 e quando a carestia escalava - em dezembro, eram 19,1 milhões de famintos.

A questão é que não são R$ 30 bilhões, o que poderia ser coberto com recursos de emendas parlamentares, mas uma montanha de mais de R$ 90 bilhões.

O calote nos precatórios somado à mudança no teto dos gastos, que está embutida na mesma proposta de emenda à Constituição, vai gerar "sobra" multibilionária.

Após transferir renda ao Auxílio Brasil (versão bolsonarista do Bolsa Família que deve transferir R$ 400 até o final de 2022 a 17 milhões de famílias de eleitores) e cobrir alguns buracos na Previdência, haveria algo entre R$ 10 e 13 bilhões, que poderiam ser destinados a projetos e obras dos redutos eleitorais dos parlamentares ou para financiamento público de suas candidaturas.

O mais irônico é que um naco dos que sempre se opuseram a programas de transferência de renda aos mais pobres, hoje os abraçam como se não houvesse amanhã. O abraço forte não é de alguém que sente empatia pelo seu semelhante, mas que não quer largar a boia com medo de se afogar no ano eleitoral.

Bolsonaro, por exemplo, despreza quem receba os recursos, considerando que são vagabundos.

Ele achava isso em 2012 ("O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa", em entrevista à Record News), em 2015 ("O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço", em entrevista ao documentarista Carlos Juliano Barros) e mesmo agora, em 2021 ("Não tem como tirar o Bolsa Família do pessoal, como alguns querem. Com todo o respeito, não sabem fazer quase nada", em entrevista à TV A Crítica).

A oposição, que sempre foi contra o teto, diz que topa muda-lo para garantir recursos para a sobrevivência dos mais pobres. Mas que vai votar contra o cambau nos precatórios. A base do governo pede liberação de mais emendas para votar a proposta que, ironicamente, pode lhe garantir mais emendas. Enquanto isso, o governo faz chantagem sobre a chantagem, condicionando a liberação de emendas à votação da proposta que usa a pobreza como escudo.

A maior prova de que tudo isso é um grande oportunismo eleitoral é o fato de Bolsonaro e aliados estarem tentando garantir o valor de R$ 400 para até o último dia do ano que vem. Depois disso? Cada um por si e Deus acima de todos.