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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Petista quer mais distância de bolsonarista do que o inverso, diz pesquisa

TOMAS CUESTA/AFP E ISAC NóBREGA/PR
Imagem: TOMAS CUESTA/AFP E ISAC NóBREGA/PR

Colunista do UOL

02/06/2022 18h18

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Como você se sentiria caso tivesse um(a) filho(a) casado(a) com uma pessoa petista ou bolsonarista? Essa foi a pergunta feita pela pesquisa Genial/Quaest a eleitores que declararam intenção de voto em Lula ou Bolsonaro num hipotético segundo turno das eleições presidenciais de outubro.

Essa pergunta é adotada por institutos de pesquisa nos Estados Unidos para medir o nível polarização do eleitorado democrata e republicano. A ideia é avaliar os sentimentos de desafeição e o desejo de distanciamento social pelas pessoas que apoiam um grupo político rival. A esse fenômeno dá-se o nome de polarização afetiva.

No levantamento, realizado em maio, mais petistas ficaram infelizes com o casamento de um filho ou filha com alguém do grupo visto como adversário do que o oposto.

Entre os eleitores de Lula, 29% afirmam que ficariam muito infelizes com isso e 14%, que se sentiriam infelizes, totalizando 43%. Não ficariam infelizes 57% dos entrevistados.

Já entre os eleitores de Bolsonaro, 19% dizem que ficariam muito infelizes com isso e 9%, infelizes, somando 28%. Outros 71% afirmam que não ficariam infelizes. A margem de erro é de quatro pontos.

Para efeitos de mensuração, a pesquisa considera como "polarizados" os eleitores que se sentiriam muito infelizes ou infelizes com a situação.

Com base nisso, a Genial/Quaest calcula que cerca de 33% de todo o eleitorado brasileiro está afetivamente polarizado. Ou seja, uma a cada três pessoas.

Os números não são muito diferentes daqueles medidos nos Estados Unidos.

Entre os democratas, partido do presidente Joe Biden, 38% estão polarizados (16% muito infelizes e 22%, infelizes, com o hipotético matrimônio) e entre os republicanos, partido do ex-presidente Donald Trump, também 38% estão polarizados (com 13% muito infelizes e 25%, infelizes). Os dados são de pesquisa The Economist/YouGov de 2020.

Maior insatisfação de apoiadores de Lula é fruto da economia e da pandemia

O levantamento aponta a economia e a pandemia como razões para eleitores do candidato do PT estarem mais polarizados que os do concorrente do PL. Os eleitores de Lula tendem a culpar Bolsonaro por esses problemas, e os do atual presidente afirmam que a responsabilidade são das medidas de distanciamento social e da guerra na Ucrânia.

Por exemplo, entre os eleitores do ex-presidente cuja capacidade de pagar as contas melhorou nos últimos três meses, os polarizados representam pouco mais de um terço enquanto a maioria é de não-polarizados. Ao mesmo tempo, dos eleitores de Lula que afirmam que Bolsonaro mais acertou do que errou no combate à covid-19, menos de um terço são de polarizados.

O eleitor polarizado é também o subgrupo que já tem o voto mais consolidado, não abrindo espaço para um candidato ou candidata alternativo. De acordo com a pesquisa, entre os eleitores de Bolsonaro, os afetivamente polarizados confiam menos na urna eletrônica do que os não polarizados. Eles também costumam compartilhar mais vídeos políticos nas redes sociais do que os não-polarizados.

Entre os eleitores de Lula, que ostentam maior confiança da urna eletrônica, não foi encontrada diferenças nos dois grupos, ou seja, associação entre polarização e confiança nas urnas. E a quantidade dos que declararam compartilhar vídeos políticos é baixa tanto entre polarizados quanto em não polarizados.

Por fim, o dobro dos entrevistados do grupo polarizado de Bolsonaro defende que Bolsonaro não aceite a derrota com relação aos não-polarizados.

O presidente da República vem atacando o sistema eletrônico de votação e o Tribunal Superior Eleitoral. Em mais de uma ocasião, colocou em dúvida a credibilidade das eleições, insinuando que poderia não reconhecer os resultados que saírem das urnas.

De adversário a inimigo: os riscos do processo de desumanização

A polarização é vista como natural do jogo político, pois é parte de um processo em que cidadãos reconhecem que seus posicionamentos são semelhantes ou antagônicos aos de outras pessoas e se organizam em grupos para defendê-los. O problema é quando essa polarização se aprofunda ao ponto de desejar o mal de quem pensa diferente.

A redução de contato entre grupos polarizados leva à diminuição de informações sobre o que eles querem, desejam e fazem. Sem informações sobre o outro é mais fácil que as lacunas sejam preenchidas por desinformação. O desconhecido causa medo e passa a ser visto como ameaça. Nesse ponto, aquele que é adversário político a ser vencido se torna inimigo para a ser destruído.

O que justifica o comportamento de lideranças autoritárias que prometem acabar com aqueles que "ameaçam" seus seguidores com suas crenças e seu modo de vida. Um processo de desumanização que tem terminado em violência, como foi o caso das eleições nos Estados Unidos e a subsequente invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021.