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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No Brasil de Bolsonaro, famintos crescem 73% enquanto bilionários, 48%

Moradores reviram caminhão de lixo em busca de restos de comida em frente a supermercado de Fortaleza, capital do Ceará - Reprodução/TikTok/André Queiroz
Moradores reviram caminhão de lixo em busca de restos de comida em frente a supermercado de Fortaleza, capital do Ceará Imagem: Reprodução/TikTok/André Queiroz

Colunista do UOL

09/06/2022 14h50

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Durante a pandemia de covid-19, entre 2020 e 2022, o número de pessoas que passam fome no Brasil passou de 19,1 milhões para 33,1 milhões e a quantidade de pessoas e famílias com mais de um bilhão de dólares foi de 42 para 62.

Os famintos aumentaram em 73% e o grupo de ultra-ricos em 48%. A questão é que os famintos representam 15,5% da população brasileira e quem tem ao menos US$ 1 bi são 0,000029%.

Os dados sobre a fome, divulgados nesta quarta (8), são da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) e tem margem de erro de 0,9 ponto. E sobre os bilionários são da atualização anual da lista das pessoas mais ricas do mundo, divulgada em abril, pela revista Forbes.

Utilizou-se aqui a relação de quem tem mais de 1 bilhão de dólares (o que, na cotação de hoje, é o equivalente a R$ 4,9 bilhões). A edição nacional da revista organiza outra, atualizada no segundo semestre, com os dados de quem tem mais de um bilhão de reais - número muito maior.

Essa disparidade reforça a imagem da gestão Jair Bolsonaro como um governo voltado mais aos ricos do que aos pobres. O chamdo "Robin Hood às avessas".

"É aviltante que o número de bilionários tenha aumentado em uma crise de grandes proporções como a que estamos enfrentando. Isso reforça a urgência de procurar formas nacionais e globais de enfrentar a concentração de privilégios, que faz com que exista um setor da sociedade que sempre ganha", afirmou Katia Maia diretora executiva da Oxfam Brasil.

Ela chama de "aberração" o fato de o país ter um pequeno grupo em uma "categoria premium", que concentra a riqueza, e 33,1 milhões sem saber se irão comer todos os dias. E diz que o Brasil está se consolidando como o país da aporofobia (ódio aos pobres). "Se não, como explicar o silêncio das autoridades públicas brasileiras frente a essa emergência humanitária?", diz.

Projetos para taxar os super-ricos seguem parados

Nesse contexto, taxar a renda dos super-ricos é urgente e imprescindível em um país com níveis obscenos de desigualdade social. Infelizmente, o debate para um aumento dos impostos sobre a renda do 1% mais rico do país não só segue estacionado no Congresso Nacional, como o governo federal ainda insiste em reduzir as proteções dos trabalhadores.

Mesmo após a fracassada tentativa de uma nova Reforma Trabalhista, embutida na Medida Provisória 1045 (jabuti aprovado na Câmara e enterrado pelo Senado), o governo e seus aliados voltaram à carga. Sob a justificativa de reduzir a informalidade, propostas defendidas pelo governo preveem tipos de contratos de trabalho que dão uma banana nas garantias da CLT. Ou seja, mais uma vez, são os trabalhadores os chamados a darem seu sacrifício pela economia do país, concedendo o próprio lombo ao chicote.

As elites política e econômica afirmam que ações para a redução da nossa pornográfica desigualdade através de um programa de renda mínima mais parrudo e que o corte dos gordos subsídios recebidos por determinados setores econômicos levarão à hecatombe. E bradam que a solução para o crescimento é tirar proteções dos trabalhadores.

Desde que assumiu, o governo Jair Bolsonaro não apresentou um projeto para a geração de empregos formais que não passasse pela redução de proteções à saúde e à segurança dos trabalhadores. Sua única proposta tem sido suprimir garantias conquistadas ao longo de décadas. Agora, em meio a uma crise agravada pelo presidente, que estendeu a pandemia ao sabotar o isolamento social, insiste-se em que o trabalhador também pague a conta.

O ministro Paulo Guedes, devemos reconhecer, defendeu fortemente a volta da taxação de dividendos dos mais ricos. Mas o lobby de categorias junto ao Congresso esvaziou o impacto da proposta - que, mesmo assim, segue parada no parlamento.

Um aviso: 'super-rico' não é você, que parcelou o Renegade

Isso, contudo, é apenas a ponta do iceberg. Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais - dados de 2021. É o que defendem a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições. Eles apresentaram propostas legislativas que estão em consonância com o plano de Reforma Tributária formulado por seis partidos de oposição, que também tramita no Congresso.

O Imposto sobre Grandes Fortunas taxaria patrimônios superiores a R$ 10 milhões, abraçando 60 mil pessoas. E o Imposto de Renda aumentaria paulatinamente para quem ganha mais de R$ 23,8 mil por mês - que, segundo eles, perfazem 1,1 milhão de pessoas, 3,6% dos contribuintes. A alíquota mais elevada (45%) incidiria sobre 211 mil contribuintes (0,1% da população) que ganham mais de R$ 60 mil por mês.

Atenção: Perceba que não é você, que parcelou o Renegade em 24 vezes, portanto.

Hoje, a classe média paga mais impostos em relação à sua renda do que multimilionários e bilionários devido à não-taxação de dividendos, à baixa taxação de Imposto de Renda de Pessoa Física, entre outras manobras. A oposição queria aproveitar a Reforma Tributária para, além de garantir progressividade real na cobrança de impostos, reduzir a taxação na produção e comercialização e aumentar na renda e na riqueza. Reforma Tributária que já foi para o vinagre diante do projeto de reeleição de Bolsonaro.

Usar esses recursos para ajudar a financiar uma renda básica permanente, fazendo as devidas mudanças fiscais para permitir isso, significaria um avanço na qualidade de vida de uma parcela vulnerável da população e uma forte redução na desigualdade social.

Como já disse aqui, o Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou entrando no mérito de como chegamos a essa situação, nem propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir. Mas é fundamental que a terceira classe conte com a garantia de um mínimo de dignidade e primeira classe pague passagem progressivamente proporcional à sua renda.

Mas seguimos parecidos como um navio remado por escravizados que, a qualquer sinal de crise, aumenta a frequência do estalar do chicote.