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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com medo do futuro, Bolsonaro se compara à ex-presidente presa por golpe

Adriano Machado/Reuters
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

11/06/2022 22h36Atualizada em 12/06/2022 12h20

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Jair Bolsonaro tem medo de ser preso. Seus comentários sobre isso não são apenas estratégia para deixar seus seguidores prontos para quando ele os chamar às ruas em atos golpistas. É o seu inconsciente gritando que há uma assombração rondando seu sono - e, definitivamente, não é o "fantasma do comunismo".

Neste sábado (11), durante visita a Orlando, nos Estados Unidos, ele se comparou novamente à ex-presidente da Bolívia, Jeanine Añes, condenada por um golpe de Estado em 2019, nesta sexta (10). Ela estava presa há 15 meses e sendo julgada junto com ex-chefes militares.

Bolsonaro poderia ter se comparado a qualquer estadista com grandes feitos. Preferiu uma pessoa acusada e sentenciada por golpe de Estado. Pelo menos, temos que admitir que a autocrítica do presidente falou mais alto que seus delírios de grandeza.

"A turma dela perdeu, voltou a turma do Evo Morales. O que aconteceu um ano atrás? Ela foi presa preventivamente. E agora foi confirmado dez anos de cadeia para ela", disse.

E foi além: "Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?"

Alguém que já deixou claro que não irá aceitar o resultado das urnas se elas não o apontarem como vencedor, e, para isso, inventa mentiras sobre o sistema eletrônico de votação, é que precisaria responder se vai tumultuar o país durante e depois das eleições. Pergunta retórica, claro, pois ele vai.

Bolsonaro cita os atos antidemocráticos, alvos de uma investigação em trâmite no Supremo Tribunal Federal que está nas mãos da pessoa na República que o presidente mais teme, o ministro Alexandre de Moraes. E aproveitou a fala em Orlando para cacetar novamente ministros do STF e do TSE. Mas ele sabe que uma ação decorrente disso não seria a única que teria que enfrentar ao deixar o cargo. Daí, o medo de deixá-lo.

Há também acusações de desvios de recursos de seu gabinete quando parlamentar (as chamadas "rachadinhas"), de sabotagem ao combate à covid-19 que aumentou significativamente o número de mortos, de ataques às instituições e ao regime democrático ou de qualquer um dos casos de superfaturamento ou pedidos de propina que pipocaram em seu governo.

No dia 27 de abril, a ex-presidente da Bolívia já havia aparecido em um discurso de Bolsonaro no Palácio do Planalto.

"Tenham certeza eu jamais serei uma Jeanine, jamais, porque primeiro eu acredito em Deus e depois acredito em cada um de vocês que estão aqui. A nossa liberdade não tem preço, digo mais, como sempre tenho dito: ela é mais importante que a nossa própria vida, porque um homem, uma mulher sem liberdade não tem vida", disse.

Percebam que não é a liberdade dos brasileiros que está em jogo para ele, mas a dele. E pediu ajuda aos seus aliados presentes: "acredito em cada um de vocês que estão aqui".

Jeanine é figurinha fácil no inconsciente de Bolsonaro. Em junho de 2021, quando ela já estava presa, Bolsonaro também tratou do assunto a seus seguidores.

"O que aconteceu na Bolívia? Voltou a turma do Evo Morales e, mais ainda, a presidente que estava lá no mandato tampão [Jeanine Añez] está presa, acusada de atos antidemocráticos. Estão sentindo alguma semelhança com o Brasil?", disse.

Uma pessoa que terceiriza todas as suas responsabilidades como presidente, da covid-19 à inflação, não admitirá facilmente a possibilidade de ser levado a julgamento, caso perca as eleições.

Não é só um projeto de se perenizar no poder. O Brasil vai ao caos, no dia 7 de setembro ou no day after eleitoral, por causa de alguém que tem medo de assumir o que faz.