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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Entre reeleição e medo da prisão, Jair e aliados abraçam PEC do Desespero

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/06/2022 16h01

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Com a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno, o governo Bolsonaro e seus aliados no Congresso Nacional partiram para o tudo ou nada com a PEC do Desespero, analisada pelo Senado nesta quarta (29). Tudo ou nada literalmente, porque a proposta de emenda constitucional tem clima de pedalada nas regras que impediam o "liberou geral" às vésperas das eleições.

Para Bolsonaro, está em jogo mais quatro anos sem o risco de ser processado, condenado e preso por qualquer um dos crimes dos quais é acusado de cometer antes e durante o mandato. Para o centrão, é a certeza de que continuará sendo dono de uma galinha dos ovos de ouro, que bota emendas bilionárias.

No lugar da tentativa incerta de zerar o ICMS para baixar o preço dos combustíveis, optou-se por tentar comprar o voto de milhões de eleitores pobres, aumentando o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, e de 870 mil caminhoneiros, pagando um vale-diesel no valor de R$ 1.000 mensais, entre outras ações.

Quem lê esta coluna sabe que a defesa de um programa de renda mínima parrudo tem sido uma constante, muitos anos antes de o auxílio emergencial vir à baila e reforçar que distribuir dinheiro garante qualidade de vida e movimenta a economia. Mas o que temos aqui é um oportunismo descarado que diz que toma decisões em nome dos pobres, mas faz isso de olho na urna.

Tanto que a proposta dos R$ 600, que era defendida há tempos pela oposição, terá validade até o final do ano. Ou seja, passadas as eleições, é cada um por si e Deus acima de todos de novo, com Jair reeleito ou não.

Para garantir que isso seja possível, o relator da proposta, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), pede que seja reconhecido pelo Congresso Nacional um "estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo". Com isso, o governo terá seus R$ 38,75 bilhões para gastar visando à reeleição.

Imprevisível? Bolsonaro poderia ter discutido com o parlamento, o mercado e a Petrobras uma mudança na política na paridade internacional de preço do petróleo nos últimos três anos, ou mesmo criado regras para estabilização de preços em momentos de crise. Preferiu fazer bravatas inúteis e criar cortinas de fumaça, demitindo e indicando novos presidentes para poder terceirizar a responsabilidade. Agora, usa o caso para justificar a compra de voto.

Para garantir isso, Bezerra propõe a festa da fruta no inciso IV do artigo 120:

"Para enfrentamento ou mitigação dos impactos decorrentes do estado de emergência reconhecido, as medidas implementadas, até os limites dos montantes previstos em norma constitucional, observarão: a não aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza". Tipo: Uhú! Liberou geral!

Lula venceria, hoje, no primeiro turno, segundo pesquisa Datafolha divulgada no último dia 23, com 53% dos votos válidos, muito graças às famílias com renda de até dois salários mínimos.

De acordo com o instituto, Lula marca 47% e, Jair, 28%, considerando os votos totais e todos os eleitores. Mas ganha do atual presidente por 56% a 22% entre as famílias que ganham até R$ 2.424/ mês. O quadro é de estabilidade frente aos 56% a 20% registrados em maio.

A melhor avaliação do atual presidente junto ao público mais pobres ocorreu com o pagamento das seis parcelas de auxílio emergencial de R$ 600, em 2020. Agora, o governo deve tentar trazer de volta a percepção daquele momento para convencer que Bolsonaro se preocupa sim com as pessoas - apesar da pesquisa Ipespe ter apontado que só 24% acreditam nisso.

Entre quem recebe os R$ 400 do Auxílio Brasil, Lula continua marcando 59% a 20%. Na amostra do Datafolha, o grupo mais pobre representa a maioria do país, com 52% da população. Quem ganha menos continua sendo a fortaleza de votos para Lula devido à memória da bonança econômica em seu governo. Em outras palavras, a lembrança da presença de "picanha e cerveja" na geladeira, como o próprio líder petista gosta de citar.

Por isso há uma dúvida se a estratégia de Bolsonaro e aliados terá sucesso. Corre o risco de os mais pobres, que viram a inflação corroer o poder de compra de comida e a capacidade de pagar boletos, ficarem gratos pelos R$ 200 a mais, e por uma alta no vale-gás, mas continuarem votando em Lula.