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Na Marcha para Jesus, Bolsonaro crê que evangélicos não compram leite e pão
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Repetindo os últimos comícios, Jair Bolsonaro se colocou como "o bem" na luta contra o "o mal" e investiu na pauta comportamental na Marcha para Jesus de São Paulo. Falou de aborto, gênero, drogas, família, mas só tangenciou a principal preocupação dos brasileiros, a inflação, apostando que o público evangélico não compra leite e pão.
"Nós temos uma posição: somos contra o aborto, somos contra a ideologia de gênero, somos contra a liberação das drogas e somos defensores da família brasileira", disse no alto de um trio elétrico neste sábado (8).
E criticou a Venezuela e a Argentina, mas também Chile e a Colômbia - estes dois últimos por elegerem recentemente presidentes à esquerda.
Sobre a economia, Bolsonaro disse que problemas materiais são "passageiros", que "a questão econômica começa a ser superada" e que o Brasil é o que menos sofreu com ela no mundo "porque nós demos uma nova dinâmica à política". Ou seja, saiu pela tangente. Até porque a inflação de 12% ao ano tem sido resistente, não passageira.
Citar um combo de temas comportamentais caros a uma parte do público evangélico é conhecida estratégia eleitoral do presidente, que adapta seu discurso para cada público. Tanto que ele não defendeu que o público comprasse armas de fogo, como faz junto ao bolsonarismo-raiz.
E não é à toa. De acordo com o Datafolha, 68% dos evangélicos discordam da afirmação: "a sociedade brasileira seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência" e 62% discordam de "o povo armado jamais será escravizado".
O discurso deste sábado é muito semelhante ao que ele realizou em um evento evangélico no Rio de Janeiro no último dia 2.
"O outro lado quer legalizar o aborto, nós não queremos. O outro lado quer legalizar as drogas, nós não queremos. O outro lado quer legalizar a 'ideologia de gênero', nós não queremos. O outro lado quer se aproximar de países comunistas, nós não queremos. O outro lado ataca a família, nós defendemos a família brasileira. O outro lado quer cercear as mídias sociais, nós queremos a liberdade das mídias sociais", afirmou na semana passada.
Como já disse aqui, o presidente está preocupado que o derretimento do poder de compra e a queda da renda fizeram com que parte do seu eleitorado de 2018 tenha migrado para Lula por conta da lembrança da situação econômica durante a gestão do petista.
Enquanto Lula tenta fisgar os trabalhadores evangélicos com a lembrança do acesso mais fácil ao pão e ao leite no seu governo, Bolsonaro atua para cativar o público martelando a pauta de costumes e comportamento.
Na última pesquisa Datafolha, Lula tem 47% e Bolsonaro, 28%, no geral. Entre os evangélicos, o presidente conta com 40% e o ex-presidente, 35%. A diferença pró-Bolsonaro poderia ser maior, se a inflação fosse menor.
De acordo com o tradicional levantamento mensal de preços do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), divulgado nesta quarta (6), o litro de leite subiu em todas as 17 capitais avaliadas pelo instituto. Em alguns lugares, já há marcas vendidas a impressionantes R$ 10.
Em Belo Horizonte, o litro de leite integral UHT aumentou 23,09% entre maio e junho, seguida por Porto Alegre (14,67%), Campo Grande (12,95%) e Rio de Janeiro (11,09%). Em São Paulo, a subida foi de 9,3%. No acumulado de 12 meses, BH teve alta de 48,89%, Florianópolis, 46,7%, Porto Alegre, 44,55% e São Paulo, 29,66%.
Para além de fatores sazonais e climáticos, há o impacto da inflação nos custos de produção. Com a inflação galopante, muitos que comiam carne bovina tiveram que trocá-la por frango, quem comia frango mudou para ovo e quem comia ovo hoje passa fome. O mesmo pode acontecer com famílias que trocarão o leite pela água.
Ao mesmo tempo, o preço do quilo do pão francês subiu em 15 das 17 capitais pesquisadas, com a maior alta mensal em Belém (10,29%) e o maior salto em 12 meses em Salvador (30,32%). Segundo o Dieese, o preço internacional está em queda, mas o dólar alto elevou o preço.
O Datafolha divulgou que 20% dos eleitores de Jair Bolsonaro optam por Lula caso não votem no atual presidente. Já 17% dos eleitores do ex-presidente escolhem Bolsonaro como segundo voto. Parte da explicação para isso é que existe um eleitor atraído tanto pela segurança material do legado de Lula quanto pelo discurso comportamental de Bolsonaro.
Por mais que ambos estejam com altos índices de voto consolidado, há uma parcela flutuante que ainda está em disputa.
Caso a situação da economia não melhore significativamente e Lula tome cuidados com as pegadinhas dos embates em pautas morais, simbólicas e de costumes, tudo fica como está, o que significará a vitória do petista.
Mas se a economia melhorar o suficiente ou os benefícios sociais da PEC da Compra dos Votos ajudarem no poder de compra, e a comida desaparecida voltar à mesa dos trabalhadores, Bolsonaro pode fisgar quem estava preocupado com sua sobrevivência material usando sua pauta de costumes.
Daí, o presidente segue martelando aborto, gênero, drogas, família na esperança que seus aliados no Congresso tenham sucesso com a aprovação rápida da distribuição de dinheiro na eleição para aplacar o impacto dos preços.