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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quantos dos 75% que preferem a democracia apoiam políticos autoritários?

Militantes de direita pedem intervenção militar na Avenida Paulista durante manifestação - EPA
Militantes de direita pedem intervenção militar na Avenida Paulista durante manifestação Imagem: EPA

Colunista do UOL

19/08/2022 16h31

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A maioria esmagadora dos brasileiros (75%) apoia a democracia, segundo o Datafolha, divulgado nesta sexta (19). Já 7% preferem a ditadura - coincidentemente, a mesma porcentagem de terraplanistas por aqui.

O levantamento do Datafolha que chegou a essa taxa de adeptos da bizarra teoria da Terra plana é de julho de 2019. Há, portanto, uma chance de que três anos de governo Bolsonaro tenham elevado o número. Outros 90% declararam ter certeza que o planeta é redondo - o que, convenhamos, é pouco.

Não estou dizendo que os que são a favor da ditadura também são terraplanistas, mas em ambos os casos temos a importância da educação para evitar que oportunistas manipulem a ignorância de outros milhões.

Uma educação que ensine o básico da ciência reduz a quantidade daqueles que acreditam que o mundo tem borda. Enquanto 10% dos que terminaram apenas o ensino fundamental afirmavam que a Terra é plana, segundo o Datafolha, a taxa entre os que concluíram o ensino médio era de 6% e o superior, 3%.

O mesmo ocorre com o ensino de História, que tem o poder de diminuir a quantidade daqueles que endeusam governos autoritários porque desconhecem a sua natureza e seus efeitos. Diminuir, claro, não zerar, porque há muita gente que ganha dinheiro se associando com quem ameaça golpes de estado - haja vista o linchamento da democracia no grupo de WhatsApp de ricos empresários bolsonaristas.

E mesmo os 75% de apoio à democracia precisam ser relativizados, pois há quem abrace autoritários achando que está louvando democratas. No grupo de zap supracitado, por exemplo, bolsonaristas acusavam pessoas de serem autoritárias simplesmente porque se colocavam contra aos atos golpistas de Jair. Não são os únicos.

Passamos tanto tempo nos preocupando em garantir que os mais jovens decorassem datas de "descobrimentos" e locais de batalhas que não fomentamos o pensamento crítico. Não à toa, o ensino de história tem sido sistematicamente atacado por aqueles que desejam reescrever a história do Brasil sob sua imagem e semelhança. Para tanto, lutam para que a escola seja o local da decoreba, não do debate e da discussão.

Precisamos proteger o ensino de História nas escolas contra a sanha estúpida de pessoas e movimentos que desejam que você saiba a data em que foi assinada a Lei Áurea, mas não um debate que esclareça porque o 13 de maio de 1888 não garantiu liberdade e autonomia aos negros e negras deste país. Ou que defendam que a criança aprenda que a Segunda Guerra Mundial começou quando a Alemanha invadiu a Polônia, mas reclama se professores discutem em sala sobre o que pregavam os capitalistas, socialistas e nazistas envolvidos no conflito.

Que a História da ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, seja conhecida e contada nas escolas até entrar nos ossos e vísceras de nossas crianças e adolescentes a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada. Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente. E de forma que aqueles 75% possam passar de 90%.

No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram criadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões que eles queriam impor. Centenas de milhares queimaram até as cinzas. Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram perseguidos por ousarem pensar diferente da maioria. A Alemanha "purificou pelo fogo" as "ideias imundas deles", da mesma forma que, durante a Contra-Reforma, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e os ossos daqueles que ousaram discordar.

Hoje, as fogueiras e as praças são virtuais. Mas queimam da mesma forma.