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Tomado por milícias, RJ produz refugiados com aval de governos e eleitores
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Há refugiados por conta de guerras e conflitos de terras, outros devido às mudanças climáticas, existem ainda os que são expulsos por causa de sua religião. Contudo, o Rio de Janeiro cultiva os refugiados das milícias, ou seja, aqueles que tiveram que fugir para não morrer pelas mãos de quem manda de fato no Estado.
Em "Vizinhos do Mal", contundente reportagem em vídeo de Igor Mello, do UOL, veiculada nesta quarta (31), ouvimos histórias de quem viveu o "ame-o ou deixe-o" da República das Milícias. É a primeira vez que pessoas incluídas no programa de proteção às vítimas e testemunhas do Rio contam suas histórias.
A revolta ao ouvir os depoimentos vai muito além da constatação de que a milícia é feita de homenzinhos covardes, muitos dos quais já vestiram farda, mas não honram nem a fralda que um dia usaram quando crianças. A indignação vem da percepção de que aquilo só acontece devido a altos níveis de conivência e cumplicidade do poder público.
A milícia ocupa, hoje, mais da metade do território do município do Rio de Janeiro, e controla a vida de um a cada três moradores, trocando a Justiça pela vingança e cobrando dos moradores por proteção - proteção contra eles próprios, diga-se de passagem. Acreditando estarem acima das leis, criam suas próprias regras que, se não forem seguidas, são punidas com morte.
A diferença entre milicianos e traficantes é que os primeiros não são incomodados pelos batalhões da Polícia Militar, como denuncia um dos personagens retratados pela reportagem." Antes de entrar no carro, ele [miliciano] aplica um tiro em direção à minha cabeça. Por 3 centímetros, o tiro não me acerta. Os policiais em momento nenhum vieram até mim", afirmou uma das entrevistadas, que contou que uma viatura passava por perto na hora do ataque.
Entranhado no governo estadual, a milícia é um projeto mais amplo e conta com a simpatia do presidente da República.
Por exemplo, em 15 de fevereiro de 2020, Jair Bolsonaro afirmou que Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, grupo de extermínio que atua no Rio de Janeiro, era "um herói da Polícia Militar" quando foi homenageado pelo então deputado estadual e, hoje, senador, Flávio Bolsonaro. Na época, ele já era acusado de crimes.
Adriano havia sido morto, na semana anterior, em uma ação das polícias da Bahia e do Rio, em Esplanada (BA), após mais de um ano foragido. No gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, trabalhavam a mãe e a esposa de Adriano, que era amigo de Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família Bolsonaro.
O próprio Jair Bolsonaro o chamou de "um brilhante oficial", em discurso no Congresso Nacional, mesmo após Adriano ter sido condenado a quase duas décadas de prisão pela morte de um guardador de carros pela vítima ter denunciado extorsões de policiais a moradores de uma comunidade. Adriano conseguiu um recurso para um novo julgamento e foi absolvido no ano seguinte.
Segundo apontou levantamento da Agência Pública, Flávio foi o candidato mais votado em Rio das Pedras, território do Escritório do Crime, em 2018.
Ao contrário de muitos dos refugiados por conta de guerras, de mudanças climáticas e de sua religião, o fluxo de refugiados das milícias poderia ser drasticamente reduzido se a população afastasse políticos coniventes e cúmplices dos governos e parlamentos através do voto.
Há uma nova chance em um mês. Vamos ver se a desperdiçaremos novamente.