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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao defender vender praia a rico, Guedes mostra lugar do pobre no seu Brasil

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: risco fiscal e crise entre poderes afugentam investidor - ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: risco fiscal e crise entre poderes afugentam investidor Imagem: ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

Colunista do UOL

29/09/2022 09h34

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O ministro da Economia de Jair Bolsonaro defendeu vender praias brasileiras para ricos estrangeiros em entrevista nesta quarta (28). "É mal gerido o troço", disse. O governo que ajudou a produzir quase 700 mil mortos na pandemia e a elevar o número de famintos para 33 milhões, agora quer limitar uma das únicas diversões gratuitas e democráticas que sobrou. Com isso, Paulo Guedes reforça o lugar do pobre em sua sociedade.

Ele já reclamou de acesso do filho do porteiro ao financiamento universitário, desaprovou empregadas domésticas viajando à Disney, criticou o aumento na expectativa de vida da população, repreendeu os mais humildes por não pouparem (por que será que fazem isso, né?) e os associou à destruição do meio ambiente.

Acredita que está sendo pragmático ao defender vender praias, um patrimônio de todos os brasileiros, para ricos estrangeiros por R$ 1 bilhão cada. Para a maioria de nós é chocante essa visão excludente, mas a parte da elite econômica que ele representa, que compreende da mesma maneira que ele a narrativa do lugar que ricos e pobres devem ocupar na sociedade, entende bem a mensagem sobre quem são os donos do país.

Guedes joga também com um público que não é da elite, mas que se identifica com ela (chegando a operar como guerreiros do capital alheio). Esse grupo foi levado a acreditar que o Estado rouba quem "paga impostos" para entregar a "parasitas", sejam eles funcionários ou trabalhadores de classes menos favorecidas, que querem apenas usufruir do patrimônio público.

E quando o tempo é visto como dinheiro, o descanso é encarado como prejuízo.

Escapa-lhes o fato de que todos pagam impostos - inclusive os pobres e a classe média pagam, proporcionalmente, mais imposto do que os muito ricos no Brasil através do consumo ou da renda. E todos são donos do país.

Também ignoram que os objetivos da República, previstos no artigo 3º da Constituição Federal, são a garantia dos direitos sociais junto com o desenvolvimento econômico. Pois o constituinte entendeu, de maneira correta, que uma coisa não funciona sem a outra, caso contrário não temos um país, nem um futuro comum.

Por essa lógica distorcida, seja nas praias, na Disney ou nas universidades, há "parasitas" com "nosso dinheiro" em "nosso lugar" usando "nosso patrimônio". Um dos principais problemas do país seria, portanto, o fato de haver gente fora do lugar que lhe foi pré-determinado pela conta bancária.

E esse lugar, no caso dos trabalhadores, se dá através dos deveres do trabalho e não nos direitos de cidadão. Quer diversão? Que paguem por ela!

Essa narrativa, segregacionista e excludente, apresenta uma simbiose com a do presidente da República, que expressa a mesma coisa no plano moral que Guedes manifesta no econômico.

Nesse sentido, como eu já disse aqui mais de uma vez, tão ou mais violento que todas essas declarações é o fato de o ministro ter defendido um auxílio emergencial de apenas R$ 200 por família no início da pandemia em 2020. Graças ao Congresso Nacional, o valor acabou sendo de R$ 600/R$ 1200 por domicílio.

Soma-se a isso a interrupção do auxílio emergencial em 31 de dezembro do ano passado, o atraso de 96 dias para retomá-lo e o valor pífio dessa nova rodada, insuficiente para garantir a sobrevivência de uma família pobre e, portanto, incapaz de segurar alguém em casa para evitar o contágio por covid-19.

Guedes, enquanto empurrava a volta do benefício com a barriga, declarava que as contas do país não aguentariam isso. Chantageava a volta do auxílio com a aprovação da desvinculação de gastos obrigatórios em saúde e educação.

Tudo isso ajudou a fome a saltar de 19 milhões para 33 milhões em pouco mais de um ano.

Não é à toa que Bolsonaro gosta do ministro da Economia e a metáfora do casamento entre eles é real. Jair dizia que seu governo iria ajudar os trabalhadores através de programas que trazem "Verde e Amarelo" no nome. Dai, Paulo propunha que proteções e garantias desses trabalhadores fossem limadas em troca desses empregos.

Guedes não limitou Bolsonaro, como imaginavam alguns analistas nas eleições de 2018. Pelo contrário, ele o fortalece. São um só animal político, com duas cabeças.

Conta uma anedota filosófica que Alexandre, o Grande, ao visitar o filósofo Diógenes, que não era o Chaves, mas também passava os dias em um barril, disse a ele: "Peça-me as riquezas que quiser que eu lhe darei". Ouviu de resposta um pedido para que o imperador não fizesse sombra para o sol que o filósofo estava tomando. "Apenas não tire de mim o que não pode me dar."

Vale para a alegria na Grécia antiga, mas também para a do Brasil de 2022.