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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Prisão fake de 'Xandão' expõe realidade paralela nos bloqueios golpistas

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Colunista do UOL

02/11/2022 12h51

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Correm pelas redes vídeos a celebração de bolsonaristas que trancam rodovias ao ficarem sabendo da ordem de prisão do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Golpistas chorando, rezando de joelhos, abraçando-se efusivamente. O detalhe é que tal ordem nunca aconteceu.

Em um ato golpista, a fake foi lida por organizadores da balbúrdia, em outro, circulou por grupos de mensagens. Como a mentira ia ao encontro do que eles esperavam que acontecesse, ou seja, como aquilo se encaixava em seus desejos e anseios, eles abraçaram gostosamente a notícia, por mais improvável que seja, como fato.

A esse fenômeno damos o nome de viés de confirmação. Acontece todos os dias não só com os golpistas, mas com todos nós. Por questões que passam pelo reflexo de autoproteção, temos a tendência de acreditar que é verdade tudo aquilo em que acreditamos e tomar como mentira tudo com o qual discordamos.

O problema é quando o reflexo não dá lugar à reflexão (que faz com que aceitemos que o mundo não é feito à nossa imagem e semelhança), insistindo em nos manter em uma realidade paralela. Isso é facilitado pelo fato de que o poder das bolhas, que já existem naturalmente na sociedade, aglutinando pessoas que pensam igual, é multiplicado pelas redes sociais.

Não foi um algoritmo que manipulou o resultado da eleição, como defendem os golpistas, mas são os algoritmos utilizados pelas plataformas para decidir o que vamos consumir em nossas timelines que no aprofundam em bolhas que nos isolam.

Toda rede social (e aplicativos de mensagens funcionam como tais) quer que você permaneça a maior quantidade de tempo dentro dela, produzindo conteúdo gratuitamente e consumindo publicidade paga. Para tanto, tende a entregar um ambiente em quer você se sinta confortável, dopado até, vendo conteúdo através do qual nos sentimos bem. Entregam espelhos para a nossa vaidade.

Inseridos em bolhas, pessoas veem os outros à sua volta defenderem o mesmo que eles. Acham, portanto, impossível um grande naco da sociedade pensar diferente. Bradam, por exemplo, que enquetes sem valor científico, produzidas pela campanha do presidente Jair Bolsonaro, são mais corretas do que as extensas pesquisas feitas com rigor científico e suas margens de erro.

Parente da fake de Moraes atrás das grades está o caso de bolsonaristas que tentaram invadir um imóvel de Lula para provar que o Ipec funcionava lá dentro em setembro.

Após um influenciador bolsonarista afirmar incorretamente que o Ipec, instituto de pesquisas criado pelos diretores do antigo Ibope, funciona dentro do Instituto Lula, relatei que seguidores de Jair Bolsonaro estavam batendo na porta da organização criada pelo petista querendo "investigar" como os levantamentos eleitorais são feitos.

Vídeo divulgado pelo youtuber Gustavo Gayer usou esse boato para colocar em dúvida a credibilidade da pesquisa eleitoral, que dava Lula à frente. Em sua publicação, ele ainda perguntou onde estava o ministro Alexandre de Moraes, questionando se essa sobreposição de endereços não era crime eleitoral.

Em sua "investigação" que embasou a "denúncia", o bolsonarista confundiu o Instituto Pesquisas e Estudos de Cidadania, antigo nome do Instituto Lula, com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, nome do instituto que realiza pesquisas eleitorais. Com isso, provou que, como eu sempre digo, falta amor no mundo, mas também falta interpretação de texto.

Gayer publicou um novo vídeo, retratando-se e afirmando que "errou". Mas a divulgação original foi o bastante para dezenas de ligações chegarem ao Instituto Lula, querendo "investigar" a relação entre ambas organizações, segundo apurou a coluna. E houve os que foram presencialmente à sede procurando o Ipec e mesmo após serem informados de que o instituto de pesquisas não funciona ali, continuaram querendo saber como são realizadas as entrevistas para medir as intenções de voto.

Teve de tudo: alguns tentaram tirar foto com suas câmeras, enfiando lentes pelas grades do portão. Outros tentaram subir o muro do instituto. E houve os que, uma vez conseguindo a atenção de algum funcionário, jogavam conversa fora enquanto gravavam os presentes com a câmera do celular.

Por quê? Porque a fake do youtuber encontrou terreno fértil na bolha bolsonarista para crescer. Essa mentira era algo que ia ao encontro da visão do mundo desse pessoal.

O silêncio de Bolsonaro após o resultado do segundo turno incentivou o naco de seus seguidores que não admite a sua derrota a bloquear rodovias e defender um golpe de Estado.

Em mensagens trocadas em grupos, bolsonaristas disseram que o presidente estava em silêncio porque organizava, junto com as Forças Armadas, a batalha final às forças golpistas do TSE, do PT e da China que fraudaram as eleições usando algoritmos manipuladores.

Contudo, algumas horas antes do micropronunciamento (que não reconheceu a derrota, não cumprimentou Lula e durou dois minutos), nesta terça (1º), uma grande quantidade de material passou a ser distribuída em grupos bolsonaristas tentando passar pano para a capitulação do presidente que viria.

"Se ele dizer (sic) para pararmos, ele quer que continuemos. Mas não pode dizer publicamente", afirma um dos cards que circulou no WhatsApp.

Os golpistas foram instruídos a acreditar que estão defendendo o Brasil de um golpe, quando são eles que estão golpeando a democracia. Não há resistência de Jair à liberdade guiando os seus, mas algo bem mais mundano: um presidente com medo do que acontecerá com ele quando terminar o seu mandato buscando formas de salvar a própria pele e manipulando os seus.

É ele, e não Xandão, que tem chance de ir para a cadeia. E ele sabe disso.