Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bloqueio de grana bolsonarista é tiro de aviso do STF para secar golpismo

Colunista do UOL

17/11/2022 10h59

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de bloquear contas bancárias de 43 pessoas e empresas suspeitas de financiar atos golpistas é tardia, mas acertada. Tal como o pedido do Ministério Público Federal para afastar o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal que usou a corporação no esforço golpista de eleger Bolsonaro.

Os bloqueios pipocaram em todo o país já na noite do dia 30 de outubro, quando o Tribunal Superior Eleitoral anunciou o vencedor. Foram dias de golpismo que impediram o transporte de alimentos, remédios e oxigênio hospitalar e levaram até à perda de um coração que seria transplantado. Agora, bolsonaristas se concentram em frente a quartéis e continuam ameaçando a democracia e atrapalhando a vida dos brasileiros.

Houve algumas prisões de "manés", mas nada com capacidade de surtir efeito como este bloqueio bancário. Afinal de contas, o bolso é a parte do corpo que mais dói nesse pessoal.

Tomada às vésperas de mais protestos golpistas no feriado de 15 de novembro, a decisão deve ser entendida como um alerta, um tiro de aviso aos empresários que continuam agindo de forma criminosa a fim de que interrompam o fluxo de recursos usados para manter esses protestos. Pelo menos, será assim compreendida entre aqueles que não rasgam dinheiro, nem cantam hino para pneus, muito menos grudam-se em para-brisas de caminhões.

Até porque a lista dos 43 não abraça todos os que já contribuíram para o caos. Por exemplo, um documento da Polícia Rodoviária Federal ao qual a Agência Pública teve acesso aponta que caminhões a serviço da Havan, de Luciano Hang, foram enviados para os bloqueios. Nem a empresa, nem o empresário bolsonarista aparecem na relação de Moraes. Ainda.

Às vezes precisamos repetir o óbvio para evitar que o absurdo seja normalizado: atos que trancam estradas e acampam em portas de quartéis pedindo que os militares ocupem as ruas, prendam o vencedor da eleição e eternizem o "mito" no poder não representam liberdade de expressão, mas um crime, um ataque direto ao Estado democrático de direito.

Não importa que boa parte dos golpistas sejam pessoas que abraçaram uma realidade paralela vendida pelo WhatsApp e o Telegram, somado ao seu ódio de classe ou seus interesses econômicos. Quem defende um golpe militar não deve ser tratado como hipossuficiente, mas como cúmplice de crime.

Repetindo declarações dadas por Jair Bolsonaro nos últimos quatro anos, golpistas afirmam que ações como a de Moraes representam uma censura ao direito fundamental da livre expressão do pensamento. Ou seja, consideram que por estarem em uma democracia podem ter a liberdade de ferir de morte a própria democracia.

Basicamente apelam para o "paradoxo da tolerância". Se uma sociedade tolerante aceita a intolerância como parte da liberdade de expressão ela pode vir a ser destruída pelos intolerantes. Como analisou o filósofo Karl Popper, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.

As instituições da República, que não funcionaram corretamente ao ponto de punir um presidente da República que atentou contra a democracia ao longo de seu mandato, agora precisam garantir que a liberdade não seja usada para minar ela mesmo sob o risco de cairmos na tirania. Isso inclui bloquear contas e mandar para a cadeia quem banca o golpismo.

Em tempo: reportagem de Marcos Sergio Silva, no UOL, que relatou o que acontece dentro de grupos que arrecadavam doações para atos golpistas, mostrou que parte dos recursos seriam gastos na compra de pão com mortadela. Faz sentido. Golpistas que se veem como lutadores pela liberdade apreciam, na surdina, a mesma iguaria através da qual esnobaram petistas por quatro anos.