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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Resultado do Brasil na Copa do Mundo pode favorecer início do governo Lula?

Fernando Donasci/Folhapress
Imagem: Fernando Donasci/Folhapress

Colunista do UOL

20/11/2022 11h39

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De quatro em quatro anos, uma pergunta é ressuscitada em círculos políticos, arenas futebolísticas e botecos: o resultado da seleção em uma Copa do Mundo influencia na política brasileira por aumentar um sentimento de orgulho nacional?

O questionamento é recorrente porque as Copas são normalmente encerradas entre os meses de junho e julho, às portas do início da campanha eleitoral, desde 1994, quando os anos do torneio passaram a coincidir com os das eleições. Excepcionalmente, a Copa do Qatar foi transferida para o final do ano para evitar as temperaturas escaldantes da pequena ditadura monárquica escravizadora de trabalhadores.

Lula já ganhou um terceiro mandato, fazendo com que Bolsonaro também inaugurasse uma exceção: ele foi o primeiro a perder uma reeleição presidencial.

Em 2022, portanto, o debate não vale para a eleição, mas para o ambiente político. Uma vitória da seleção ajudaria a melhorar o clima em que o próximo governo irá assumir, considerando que o golpismo acampa em portas de quartéis pelo país?

Se considerar o que aconteceu de 1994 até agora, a resposta é não. De uma maneira geral, não há uma relação determinante entre a conquista de uma Copa de futebol masculino e o clima político no Brasil. Pelo menos, não no que diz respeito à manutenção do grupo no poder.

1994: Levamos a Copa realizada nos Estados Unidos. Naquele ano, o ex-chanceler e ex-ministro da economia do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, foi eleito presidente no primeiro turno.

1998: Perdemos a Copa da França. FHC foi reeleito em cima de Lula.

2002: Ganhamos a Copa do Japão e da Coreia do Sul. Com a derrota de José Serra, o governo FHC não fez seu sucessor. Lula chegou ao poder pela primeira vez.

2006: Perdemos a Copa da Alemanha. Na política, Lula foi reeleito, ganhando de Geraldo Alckmin - que, agora, é seu vice.

2010: Perdemos a Copa da África do Sul. Dilma Rousseff manteve o PT no poder vencendo a disputa sobre José Serra.

2014: Perdemos por um acachapante 7 a 1 em uma Copa realizada aqui no Brasil, que contou com protestos de rua. Dilma foi reeleita, vencendo Aécio Neves.

2018: Perdemos a Copa da Rússia. O candidato do partido do governo Michel Temer, Henrique Meirelles, nem foi para o segundo turno, vencido por Jair Bolsonaro em cima de Fernando Haddad.

Países e governantes sempre usaram as Copas em nome de seus interesses políticos. A própria Copa do Qatar é uma lavagem de imagem de uma ditadura, como fez a ditadura argentina em sua Copa de 1978. A ditadura brasileira usou e abusou do sentimento trazido pela conquista do tri em 1970.

Há quem aponte que o sentimento orgulho nacional trazido por ganhar o tetra no dia 17 de julho de 1994, nos Estados Unidos, somado ao otimismo com a implantação do real (lançado em 1º de julho daquele ano) e a estabilização da inflação, ajudou FHC a levar no primeiro turno.

Mas também há quem aponte que a vitória do penta, em 30 de junho de 2002, contribuiu com o sentimento de esperança e de mudança vendido pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, que impediu um terceiro mandato do PSDB.

E há quem indique que a derrota para a Bélgica por 2 a 1 na Copa da Rússia, que eliminou o Brasil nas quartas de final em 2018 só agravou o sentimento do tipo "que saiam todos" que ajudou a coroar um personagem que se vendia como antissistema por mais que acumulasse rachadinhas em seu gabinete como deputado federal há décadas.

E há quem discorde de tudo isso.

Na verdade, a economia continua determinando o comportamento eleitoral e o humor político do país, muito mais do que as denúncias de corrupção contra um governo.

Se a economia estivesse bem, FHC teria feito seu sucessor em 2002.

Se o emprego não estivesse em viés de alta, o mensalão teria abatido a reeleição de Lula em 2006.

Se o desemprego sob Temer não estivesse alto, a lembrança dos anos Lula não seria suficiente para que Lula não estivesse em primeiro lugar nas pesquisas em 2018, mesmo com todo o barulho trazido pela Lava Jato. Sergio Moro, então juiz e futuro ministro de Bolsonaro, garantiu que ele ficasse fora.

Se a fome não tivesse aumentado de 19 para 33,1 milhões em poucos meses e se a inflação dos alimentos não acumulasse quase 12% no ano, em contraste com uma inflação geral de 4,7% (a alta do leite longa vida está em pornográficos 41,2%), Bolsonaro poderia ter sido reeleito em 2022.

Como a História não aceita o condicional "se", nunca saberemos.

Um título em uma Copa do Mundo influencia menos no estado de espírito individual do que a obtenção de um emprego, entrar em uma boa faculdade pública ou conseguir um tratamento médico sem longas filas no sistema público de saúde. Ou, melhor: a percepção futura de que o poder de compra e os serviços públicos vão melhorar e a vida junto com eles.

O povão é pragmático e sabe calcular o que é melhor para sua vida, ponderando os prós e os contras. Sabe Copa do Mundo não enche barriga, o que é "pão e circo" e o que influencia realmente em sua vida. Apesar de muita gente dizer que o povão é incapaz de decidir por si - preconceito que borbulhou com a vitória de Lula neste ano.

Nesse sentido, a situação econômica do Brasil será determinante para o humor da esmagadora maioria não-golpista da população diante do terceiro governo do petista. Mesmo os golpistas, uma hora cansam. Pelo menos, os não remunerados.

Ao longo dos anos, trouxe aqui nesta coluna as histórias de exploração de trabalhadores migrantes da Ásia submetidos à escravidão contemporâneo em nome da lavagem de imagem da ditadura do Qatar perante o mundo. Não podemos esquecer isso, muito menos o fato que a CBF é uma entidade afundada em corrupção. Lutar para mudar isso é o mínimo civilizatório.

Mas, feito o disclaimer, a vida já é dura demais para não termos descanso. Futebol é um negócio, mas é muito mais do que isso.

As coisas têm os significados que construímos para elas, inclusive as festas. Essa construção pode ficar na mão de políticos, pastores, padres, economistas, narradores de futebol, jornalistas e influenciadores em geral. Ou ser feita de forma coletiva, por todos nós.

A menos que nos vejamos como gado. Mas gado não joga bola. E a gente joga. E bem.