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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Golpismo de Valdemar garante seu lugar no panteão do cinismo nacional

O presidente do PL de Jair Bolsonaro, Valdemar Costa Neto                               - José Cruz/Agência Brasil
O presidente do PL de Jair Bolsonaro, Valdemar Costa Neto Imagem: José Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

23/11/2022 18h27

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A coragem de Valdemar da Costa Neto merece nossa admiração. Qualquer outra pessoa que estivesse no lugar dele, nesta quarta (23), quando tentou justificar que o TSE deve cancelar 59% das urnas para evitar a vitória de Lula, mas que o tribunal precisa ignorar que as mesmas urnas elegeram senadores e deputados pelo PL, não aguentaria terminar o pronunciamento e começaria a rir.

A gargalhada não seria só pelo tamanho da picaretagem que isso representa, mas por perceber o ridículo de todo esse teatro envolvendo políticos, assessores, seguranças, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas para falar algo que todos sabem ser um tremendo caô para alimentar o rebanho de Jair. Todos com exceção, claro, dos que esfolam os joelhos na porta de quartéis, os que trancam rodovias impedindo criança de seguir viagem para fazer cirurgia e os que imploram ao ET Bilú vir salvar o Brasil.

Ontem, logo após o PL pedir a anulação das urnas apenas no segundo turno, usando falácias e mentiras sobre o registro de votos nas urnas fabricadas antes de 2020, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, emitiu um despacho dizendo que a solicitação deveria conter também a anulação dos votos nos dois turnos. Ou seria desconsiderado.

O problema é que as urnas deram ao PL, no primeiro turno, a maior bancada na Câmara dos Deputados na próxima legislatura, com 99 parlamentares, além de oito senadores. E o poder político e o montante bilionário do fundo partidário e do fundo eleitoral decorrentes dessa liderança são coisas que Valdemar não quer abrir mão.

O presidente do PL respondeu ao TSE e fez um novo pronunciamento nesta quarta. Disse que não faz sentido excluir os votos do primeiro turno, pois isso criaria um "grave tumulto processual", colocando milhares de outros candidatos como polo passivo do caso, inviabilizando a apuração. E afirmou que fazer isso apenas no segundo turno seria uma forma "mais prática, objetiva e célere". Em suma, mimimi com blablablá.

Valdemar já tinha uma Medalha do Mérito do Cinismo Nacional pelo conjunto da obra. Mas com uma frase dita hoje seu nome ficará gravado para sempre no Panteão do Cinismo Brasileiro. "Nós estamos discutindo não a eleição, estamos discutindo a história do Brasil. Como vamos viver com o fantasma da eleição de 2022?", disse.

Imagine a quantidade de energia que ele gastou, nesse momento, ao falar isso de frente a câmeras e microfones sem poder rir? Esse homem é um monumento de autocontrole!

Se as urnas não prestam para colher os votos no segundo turno, elas também não prestam para o primeiro. Mas, veja só: ele consegue conviver com a tal assombração no que diz respeito à eleição de deputados e senadores de seu partido, que lhe trarão dinheiro e poder. Só não consegue conviver com o "fantasma" representado pela eleição de Lula, escolhido pelas mesmas urnas em detrimento de Bolsonaro.

Desde que Valdemar da Costa Neto passou a usar o jurídico do PL para dar apoio ao golpismo de Jair, surgiram notícias dando conta de que ele é pessoalmente contrário a isso, mas está colocando as ações em prática por ser pressionado pelo presidente da República e pela metade bolsonarista da bancada eleita no partido.

Bobagem. O jogo duplo de Valdemar da Costa Neto é uma fraude. As entrevistas que ele concede ou as conversas que faz com ministros e parlamentares dizendo que não tem más intenções não eliminam a erosão da democracia causada por sua colaboração ao golpismo de Jair Bolsonaro.

A história, para citar algo que o próprio Valdemar trouxe à baila, mostra que, na hora do julgamento das ações individuais, a justificativa do "estava apenas cumprindo ordens" já não foi levada em conta nem no Tribunal de Nuremberg.

Todos, com exceção do pessoal que viaja em para-brisa de caminhão e canta hino para pneu, sabem que essa ação não vai dar em nada e serve apenas para atiçar o bolsonarismo, mantendo-o mobilizado nas ruas e atacando as instituições. Para o que, talvez nem Jair saiba ao certo.

Mas essa tentativa de desacreditar o sistema de votação usando instrumentos judiciais não representa a efetivação dos direitos civis e políticos presentes na Constituição, mas a sua negação. E Valdemar aceita o papel que lhe foi incumbido. Poderia dizer não, mas sabe que isso vai lhe garantir dinheiro e poder.

Esperemos, portanto, que a Justiça investigue o seu papel nessa conspiração, levando em conta que não é um coadjuvante, mas um dos protagonistas, e julgue-o por isso. Alguém que ficou preso tanto tempo deveria ter medo de voltar para a cadeia. Não parece ser o caso.