PL diz que relatório golpista só visa 2º turno para evitar 'grande tumulto'
O PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, disse ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que o relatório sem provas e de teor golpista contra o resultado das eleições visa somente anular votos proferidos no segundo turno para evitar "grave tumulto processual". Apresentado ontem, o documento deliberadamente ignorou o primeiro turno do pleito, quando 99 deputados federais e oito senadores da legenda foram eleitos, além de aliados de Bolsonaro nos estados.
A manifestação da legenda nesta quarta-feira (23) é uma resposta ao presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que cobrou do PL dados relativos à primeira etapa da votação. Moraes havia afirmado na terça que decidiria sobre o caso logo após receber a nova documentação do partido — a tendência no TSE é que o caso seja arquivado.
Paralelamente à entrega do relatório, o presidente da legenda, Valdemar da Costa Neto, concedeu uma entrevista coletiva em Brasília.
"Estender a verificação extraordinária pretendida também para o primeiro turno parece ser medida açodada, especialmente porque, como efeito prático, traria a própria inviabilidade da medida ora pretendida, em razão da necessidade de fazer incluir no polo passivo da ação todos os milhares de candidatos que disputaram algum cargo político nessas eleições, bem como seus partidos, coligações e federações", afirma o PL.
Essa medida -- não há como negar -- traria grave tumulto processual e, repita-se, inviabilizaria a realização da verificação requerida"
Partido Liberal, em manifestação ao TSE
O PL diz que ratifica o pedido feito inicialmente — de anular votos proferidos em mais de 279 mil urnas, mas somente no segundo turno — por considerar uma verificação "mais prática, objetiva e célere". Para o partido, se o TSE de fato identificar "falhas", o tribunal poderia então decidir para ambos os turnos.
O PL de novo não menciona o fato de que ambos os equipamentos foram usados no primeiro e no segundo turno o que demonstra que, se houve problema em uma rodada de votação, também teria ocorrido na anterior.
Esse ponto foi citado por Moraes em despacho proferido ontem. "As urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas tanto no primeiro turno, quanto no segundo turno das eleições de 2022", escreveu o ministro.
Após pedir anulação de voto, Valdemar diz que não quer "outra eleição"
Na entrevista, Valdemar Costa Neto justificou o relatório golpista dizendo que a Lei Eleitoral permite o questionamento caso haja "indícios" de erros ou problemas no sistema eleitoral — desde que as urnas foram implantadas, em 1996, nunca houve comprovação de fraude no sistema.
Apesar de pedir que sejam invalidados votos proferidos em cerca de 60% das urnas, o presidente do PL negou que a medida tenha como objetivo a realização de uma nova eleição ou impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 1º de janeiro.
"Não se trata de pedir outra eleição, não tem sentido. É um negócio que envolve milhões de pessoas", afirmou.
O entorno do presidente também não acredita na possibilidade de anulação da eleição, mas alguns interlocutores do presidente ressaltam que é preciso "investigar tudo que foi dito" no relatório.
Em sua ofensiva golpista, o PL pede anulação de votos de 59% das urnas usadas nas eleições, o que daria vitória Bolsonaro, único presidente na história do país a não conseguir se reeleger.
Como mostrou a colunista do UOL Thais Oyama, Bolsonaro pressionou seu partido a questionar as urnas — o que foi negado publicamente hoje por Costa Neto.
Partiu ainda de Bolsonaro a ordem para que o evento de divulgação do relatório golpista fosse transmitido ao vivo pelas redes sociais do PL — de forma que pudesse ser replicado simultaneamente pelas redes bolsonaristas.
'Tranquilidade total'. Questionado nesta quarta-feira sobre a posição de Bolsonaro em relação à auditoria, Costa Neto se limitou a dizer que é de "tranquilidade total".
"Não há nada de trabalho do presidente nisso aí", disse Costa Neto. Apesar da declaração de Costa Neto, Bolsonaro contestou reiteradas vezes, sem provas, o sistema eleitoral durante a campanha eleitoral.
Apoiadores do candidato derrotado nas urnas usam o relatório do PL para contestar o resultado das eleições, pedindo até intervenção militar em atos golpistas pelo país.
O voto tem que ser seguro. E, por isso, nós fizemos este levantamento. E se isso for uma mancha na nossa democracia, nós temos que resolver isso agora. Porque o problema é muito sério
Valdemar Costa Neto, presidente do PL
Sem fundamentação. O PL alega suposta falha nos chamados "logs de urna" — registros com dados dos equipamentos — em cinco dos seis modelos usados na última eleição, por isso os votos computados nessas urnas deveriam ser anulados.
Para o PL, a suposta "falha" é "gravíssima" e não permite a identificação das urnas e a auditoria dos dados compilados nos equipamentos — o que é incorreto afirmar, segundo o TSE e especialistas ouvidos pelo UOL, pois há outros dados e formas usadas para identificar e fiscalizar essas urnas.
Essas informações, somadas a assinatura digital de cada urna com chave própria e exclusiva nos arquivos, garantem que uma análise individualizada de cada arquivo de log permitirá identificar sua origem de forma inequívoca
Tribunal Superior Eleitoral
Costa e o advogado do PL, Marcelo Bessa, foram questionados nesta tarde diversas vezes sobre a razão pela qual não levaram em conta outros mecanismos que atestam a integridade do processo eleitoral. Os dois, no entanto, não responderam e insistiram na argumentação de que há indícios de problemas na auditagem.
Para os especialistas consultados reportagem, as falhas apontadas pelo partido não alteram o resultado das eleições.
A ação do partido toma como base um relatório produzido pelo Instituto Voto Legal, do engenheiro Carlos Rocha. Em setembro, o mesmo instituto produziu um relatório questionando a segurança das urnas. As conclusões do documento foram classificadas pelo TSE como "falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade".
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