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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Centrão atropela Lei das Estatais na Câmara usando Mercadante como desculpa

O ex-ministro Aloízio Mercadante (PT), coordenador do plano de governo de Lula (PT), atrás do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), durante transição, em Brasília - REUTERS/Adriano Machado
O ex-ministro Aloízio Mercadante (PT), coordenador do plano de governo de Lula (PT), atrás do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), durante transição, em Brasília Imagem: REUTERS/Adriano Machado

Colunista do UOL

14/12/2022 12h20

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A alteração da Lei das Estatais veio para atender ao centrão, que deseja voltar a indicar seus nomes para conselhos e diretorias, e não por causa da nomeação específica de Aloizio Mercadante ao posto de presidente do BNDES. Não que o PT não possa ser beneficiado com a mudança em outras situações, mas o ex-ministro acabou sendo usado como desculpa, pois ela não é necessária para que possa ocupar o cargo.

Percebendo a oportunidade, o grupo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), inseriu a questão da mudança na quarentena de indicados para estatais e agências reguladoras e colocou o tema em votação às pressas, nesta terça (13), obtendo ampla maioria (314 votos a favor e 66, contra). O projeto foi relatado por Margarete Coelho (PP-PI), próxima a Lira, que acrescentou a alteração.

Carla Zambelli (PL-SP), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Marcos Feliciano (PL-SP) são alguns nomes da base do governo que votaram favoravelmente ao projeto. O PL orientou voto pela aprovação, mas parte da bancada, como os bolsonaristas Carlos Jordy (PL-RJ) e Onyx Lorenzoni (PL-RS), rejeitou a proposta.

A Lei das Estatais, criada em 2016 para evitar interferência indevida de políticos nessas empresas, proíbe a indicação para cargos de conselho e de direção de quem atuou nos últimos três anos na estrutura decisória de partidos ou trabalhou em campanhas eleitorais. Com a mudança, que também afeta as agências reguladoras, a quarentena cai para 30 dias. A legislação surgiu após os escândalos da Lava Jato.

Mercadante é presidente da Fundação Perseu Abramo, think tank ligado ao PT, mas que conta com estrutura independente. Não tem cargo com poder decisório no partido e não ocupa função pública desde que deixou o Ministério da Educação em 2016.

A sua assessoria frisa que ele não trabalhou na campanha de Lula, tendo ficado responsável pela elaboração do programa de governo, o que não se chocaria de frente com a lei.

Há precedentes abertos pelo governo Jair Bolsonaro. Por exemplo, uma deliberação do Comitê de Elegibilidade do BNDES, de 29 de julho de 2019, aprovou a indicação de Fábio Almeida Abrahão ao cargo de diretor em condições semelhantes ao do ex-ministro.

Segundo a ata da reunião, Abrahão contava com "registro de atividade associada à campanha eleitoral com relação à eleição de 2018 do Partido Social Liberal (PSL)". Mas o departamento jurídico do banco considerou que isso não vedava a nomeação ao cargo porque se tratava de "participação do indicado com contribuição intelectual para a elaboração de plano de governo na área de infraestrutura, o que não se confunde com participação em estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral".

O PT, que votou em peso a favor do projeto, pode eventualmente se beneficiar da mudança em outras indicações. Mas quem protagonizou a abertura da porteira foi o centrão - que estará livre para indicar seus representantes em estatais em nome da "governabilidade".