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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Intervenção nas redes de Bolsonaro seria medida eficaz contra o golpismo

Colunista do UOL

09/01/2023 22h26Atualizada em 10/01/2023 14h03

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Jair Bolsonaro nunca deixou de fomentar o golpismo entre os seus seguidores através das redes sociais e aplicativos de mensagens. Mesmo após a sua derrota nas eleições, continuou distribuindo conteúdos interpretados pela extrema direita como recados para resistirem acampados em torno de quartéis. Qualquer estratégia para combater ataques ao Estado democrático de direito precisa passar, portanto, pela suspensão das contas em redes controladas pelo ex-presidente e por seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro.

Um desses acampamentos, em frente ao Quartel-General do Exército, foi a cabeça de ponte para a invasão do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do supremo Tribunal Federal, neste domingo (8), que deixou um rastro de destruição. E nos colocou, mais uma vez por causa do bolsonarismo, no centro da vergonha mundial.

O Supremo Tribunal Federal suspendeu contas nas redes de responsáveis por promover atos antidemocráticos e ataques contra instituições, mas o agora ex-presidente da República continuou com sua constelação de perfis para fomentar o golpismo e desestruturar a República. Tanto aqueles diretamente atribuídos a ele, quanto os que fazem parte do seu ecossistema digital, como Bolsonaro TV.

O ex-presidente da República utilizou sistematicamente Facebook, Twitter e YouTube, entre outras plataformas e aplicativos de mensagens, para sabotar a democracia brasileira.

Toda quinta à noite, Bolsonaro distribuiu uma dose de LSD (Live Semanal de Desinformação) ao país, garantindo que muita gente viva sob uma realidade de fantasia, em que cloroquina cura, urnas eletrônicas são fraudadas e uma grande conspiração envolvendo comunistas chineses e empresários capitalistas bilionários pedófilos colocaram Lula no poder.

Por desrespeitar as regras de uso das plataformas digitais e a própria Constituição Federal, ele precisaria ter seu acesso suspenso. Tal ação não seria censura prévia, mas punição por ter pervertido o direito à liberdade de expressão, transformando seus perfis em armas para cometer crimes contra a democracia e até a humanidade, atentando contra a vida de milhões.

Quem não se lembra das vezes que ele usou das redes para mentir que vacina contra a covid-19 causava Aids ou que matava adolescentes, tentando afastar as pessoas do imunizante?

Por conta disso, um pedido de banimento das redes chegou a ser incluído no relatório final da CPI da Covid. Desde então, ele só causou mais danos à vida das pessoas ao usar as plataformas. O ataque terrorista aos prédios da Praça dos Três Poderes foi o ponto alto dessa relação de Jair com as redes. O ponto alto até agora.

Outros bolsonaristas chegaram a ter suas contas definitivamente removidas nos últimos meses, principalmente por ordem judicial, como Allan dos Santos, foragido nos Estados Unidos. Por se tratar, à época, de um presidente da República, que vira e mexe ameaçava as plataformas, os desdobramentos não foram grandes, com postagens tardiamente removidas. Mas agora ele não é mais presidente.

Reportagens publicadas em grandes veículos de imprensa nos Estados Unidos, sobre os Facebook Papers e os Facebook Files, baseadas em documentos internos vazados, mostram como a gigante de tecnologia falhou em garantir que o discurso de ódio e desinformação corresse solto em suas plataformas. Elas apontam, por exemplo, que a empresa poderia ter evitado ser um canal para a convocação da invasão do Congresso norte-americano em 6 de janeiro de 2021.

WhatsApp e Telegram, além das plataformas de redes sociais, foram usados, à luz do dia, a fim de convocar à "Festa da Selma" - codinome do ato golpista deste domingo em Brasília.

Jair Bolsonaro demonstrou, ao longo do seu mandato, uma visão distorcida da liberdade de expressão. Considerava que, por estar em uma democracia, tinha a liberdade de atacar e limitar as liberdades de outras pessoas, ferindo de morte a própria democracia e não ser devidamente responsabilizado por isso.

Os intolerantes, como ele, argumentam que devem ter liberdade absoluta, o que significa poder para destruir a liberdade alheia. A questão é que não existem direitos absolutos, nem a vida é, caso contrário, não teríamos a legítima defesa. Nossas liberdades são limitadas pela dignidade dos outros, o que Jair sistematicamente ignora.

A liberdade de expressão realmente não admite censura prévia. A lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam. Por isso, uma opinião não pode ser tolhida antes mesmo de ser proferida, como um jornal ou um livro embargado antes de vir a público.

Mas o banimento de Bolsonaro das plataformas não seria decorrência de uma censura prévia, mas como punição pelo que ele efetivamente e sistematicamente fez contra a saúde pública e a democracia.

Porque, de acordo com a lei, somos responsáveis pelo impacto que a divulgação de nossas declarações causa e sujeitos a sofrer as punições caso usemos nossa liberdade contra a dignidade de terceiros.

E quanto maior o megafone, a gravidade da mensagem e seus efeitos violentos, maior a responsabilidade do emissor da informação. Um presidente da República ao afirmar que houve um complô contra ele com fraude nas eleições não pode ser punido da mesma forma que um tiozão do zap chamando alguém de babaca.

Ironicamente, contudo, tem sido mais fácil as plataformas punirem o tiozão do zap do que o presidente da República. Isso precisa ser mensurado pela Justiça e pelas plataformas, pois respostas tímidas foram um convite para crimes cada vez maiores.

Neste domingo, vimos o resultado de um deles, um "Capitólio brasileiro" que também destruiu o Planalto e o STF.