Leonardo Sakamoto

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Opinião

Lula não tem votos do União Brasil, mas ganhou do partido ministro com B.O.

Lula poderia ter afastado Juscelino Filho quando surgiram as primeiras evidências robustas de corrupção envolvendo o ministro das Comunicações. Preferiu mantê-lo tanto para mostrar que não é suscetível a pressões quanto para não comprar briga com o União Brasil, seu (meio) aliado.

O problema é que não se tratava de qualquer pressão. A Polícia Federal, agora, indiciou o ministro por suspeita dos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, falsidade ideológica e fraude em licitação. Ele integraria um bando que desviou recursos de obras de pavimentação, com grana pública da Codevasf.

Independente dos acertos políticos, qualquer pangaré sabia que a permanência dele à frente do ministério já havia ficado indefensável após esconder milhões em cavalos de sua declaração eleitoral, mandar asfaltar a estrada que corta o próprio haras com grana do orçamento secreto, usar um avião da FAB para visitar leilões de cavalos e empregar como assessora a irmã do sócio do haras de sua família.

Agora, sua permanência será uma piada de mau gosto. O problema é que o seu partido pode obrigar Lula a contá-la repetidamente. Para demonstrar força, para proteger os seus, para desgastar o próprio governo.

Lula depende do União Brasil e do centrão e de seus líderes, como o senador Davi Alcolumbre e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Portanto, vai ter que negociar muito para tirar o ministro. Se conseguir, claro.

Especialista em cavalos, não em comunicações, Juscelino Filho foi nomeado jóquei da pasta a fim de garantir que o União Brasil viesse para a base do governo Lula. Mesmo assim, o partido foi proporcionalmente menos fiel em votações do que o PP e o Republicanos, que só depois ganharam direito a CEP próprio na Esplanada dos Ministérios.

Ironicamente, o presidente vai ficando com todo o ônus, mas com poucos bônus dessa aliança. Na derrubada do veto de Lula à lei que proíbe as "saidinhas", os partidos com ministério deram 173 votos contra o governo e 123 a favor. No Senado, o União Brasil entregou seis votos contra Lula e nenhum a favor. Na Câmara, 54 contra e apenas um a favor - ironicamente o da ex-ministra do Turismo Daniela Carneiro, que foi trocada por Lula pelo correligionário Celso Sabino por pressão do União Brasil.

O partido, formado pela fusão do PSL e do DEM, é complexo, tem suas peculiaridades regionais. É compreensível que nomes como Kim Kataguiri (SP) votem contra o governo, mas esse número foi acachapante, mesmo se considerar que o assunto é sensível e é ano eleitoral. Até porque o governo teve sim seus votos favoráveis (na Câmara, foram 126 votos a 314; no Senado, 11 a 52).

Lula deu ministérios, bancos e orçamentos para partidos do centrão em troca de uma parte dos votos de sua bancada porque não tem maioria no Congresso. Vem tendo votos em assuntos com os quais os deputados e senadores já concordavam previamente, principalmente na área econômica. Temas caros ao governo, relacionados a direitos e proteções sociais e ambientais, esquece.

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Reportagem da Folha de S.Paulo, de novembro do ano passado, mostrou que Juscelino estabeleceu uma relação criminosa com o dono de uma empreiteira investigada sob suspeita de desvios em contratos da Codevasp, estatal controlada pelo centrão, quando ocupava o cargo de deputado federal no governo Bolsonaro. Em documento enviado ao STF, a PF afirma que o grupo do ministro foi responsável por "suposto desvio ou apropriação e uso indevido de, no mínimo, R$ 835,8 mil". Uns dirão que é pouco, mas a cavalo dado não se olha os dentes.

O dinheiro teria sido usado também em obras que beneficiaram suas propriedades ou ido diretamente para o seu bolso, segundo as investigações. Mas não só: em conversas entre ele e o dono da Construservice, Eduardo DP, obtidas pela PF, o então deputado indicou nomes, contas e empresas para quem depósitos deveriam ser feitos. A empresa recebeu emendas via Codevasf. Os escândalos envolvendo emendas do orçamento e Juscelino vem sendo reveladas pelo jornal o Estado de S.Paulo, desde o início de 2023, e as sacanagens da Codevasf pela Folha, em 2022.

Verdade seja dita, a equipe de Lula até chegou a tentar costurar um novo nome ou uma nova configuração que atendesse aos interesses do União Brasil e do centrão, mas não rolou. O presidente disse, então, que aguardava que o assessor provasse a inocência. O escândalo foi soterrado por outros assuntos, mas não esquecido pela PF, que continuou investigando.

O Ministério das Comunicações, por décadas, distribuiu concessões de rádio e TV a políticos, grupos religiosos e empresários não em atendimento ao interesse público, mas às necessidades dos governos de plantão para conquistarem apoio. Isso consolidou um cabresto eletrônico, em que políticos usam esses veículos para se perpetuar no poder e grupos religiosos, para ampliar seu rebanho.

Juscelino mostrou que seguiu usando a pasta para fazer negócios, vide sua agenda com encontros com empresários do setor e políticos do seu estado.

Vale lembrar que, como parlamentar, a grande contribuição de Juscelino foi tentar a aprovação do Dia do Cavalo. Tentou, mas não conseguiu.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL