Leonardo Sakamoto

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Opinião

Não adianta taxar super-ricos se cortar de pobres em educação, saúde e BPC

É mais fácil encontrar gente poderosa defendendo limitar o orçamento para creches, escolas e hospitais públicos e desvincular do salário mínimo pensões, aposentadorias e BPC dos pobres do que achar quem empunhe a bandeira de taxar decentemente os super-ricos. Não surpreende, apenas preocupa pela possibilidade de faltar óleo de peroba no Brasil.

Lula prometeu na campanha que iria colocar os super-ricos no Imposto de Renda, mas está longe de cumprir isso. A pauta foi levada à conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo ministro Luiz Marinho, nesta quarta (12), como informa Jamil Chade, no UOL, e vem sendo defendida pelo ministro Fernando Haddad em fóruns internacionais, como o G20.

O problema é convencer aqui dentro sobre o assunto. Pois é mais simples o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha do que esse Congresso aprovar um Imposto de Renda realmente progressivo e taxação de grandes fortunas. A discussão dos impostos sobre rendimentos (segunda etapa da Reforma Tributária) é tema tão difícil de ser encontrado nos corredores do parlamento como cabeça de bacalhau ou filhote de pombo.

Isentos de serem tributados pelos dividendos que recebem, os super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Atenção a quem parcelou seu Renegade em 24 vezes: você não é super-rico, apesar de achar que é, então pare de se assanhar.

De acordo com o texto já aprovado no Congresso da primeira etapa da reforma, há a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações. Mas isso não basta, pois ele continua com teto de 8%, enquanto as alíquotas chegam a 30% na Alemanha, 40% nos Estados Unidos, 45% na França e 50% no Japão. Taxar melhor as heranças, na grande meritocracia hereditária brasileira, é um ultraje aos costumes.

Justiça social vem através de melhor taxação, mas também de proteção aos gastos fundamentais.

Pressionado para garantir paz com os donos e operadores do dinheiro grosso (lembrando que o governo Bolsonaro pedalava com precatórios e ainda assim ganhava sorrisos apaixonados da Faria Lima), o Ministério da Fazenda estuda propostas para as regras orçamentárias de educação e saúde, reduzindo seu aumento anual para adequa-las ao arcabouço fiscal, tal como para os benefícios de seguridade social - desvinculando alguns deles do salário mínimo e, portanto, de seu aumento real anual.

Traduzindo: menos dinheiro para papel higiênico para a criançada na creche, para gaze e aspirina no posto de saúde e para os idosos e doentes se equilibrarem.

Corre o risco de que essas pautas, que não prosperaram durante a gestão Paulo Guedes, muito por conta da pressão da oposição petista, agora caminhem sob um governo Lula. O PT sabe que se passar a desvinculação, Lula não se reelege, e já avisou que não concorda. Lula já indicou que deve barrar essa questão, mas ainda tem a saúde e educação.

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Claro que tirar dos muito, muito ricos não vai resolver as questões fiscais do país. Mas é muita sacanagem, para usar uma expressão leve, que o debate da saúde financeira do país gire em torno de subtrair cascalho usado para garantir um mínimo de dignidade a quem tem menos enquanto ignora-se a discussão sobre taxar os que mais têm.

Governos precisam ser cobrados a fazer gastos racionais, eliminando aqueles desnecessários ou que privilegiam castas. Boa parte do debate público, contudo, deliberadamente "esquece" que desoneração de folha de pagamento, tema que ocupam noticiário há meses e é a mãe de outros quiprocócos, como a questão do PIS/Cofins, é gasto público. É benefício, portanto, renúncia fiscal. Quando se propõe cortar renúncia fiscal, os grupos de lobby poderosos infartam, ocupam horas em canais de TV, alertam para o fim do mundo, fazem beicinho de reprovação. Mas, quando se discute cortar de quem tem pouco, abrem seu sorriso.

(Os super-ricos e sua condição privilegiada são defendidos com unhas e dentes pelos terríveis Guerreiros do Capital Alheio, membros da classe trabalhadora que não se veem como tais que vão às últimas consequências para defenderem os privilégios dos bilionários e multimilionários.)

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais - dados de 2021. É o que defendem a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições.

É difícil. O próprio então ministro Paulo Guedes, durante a era Bolsonaro, propôs taxar dividendos. Em contrapartida, sugeriu reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi execrado.

Como já disse aqui, o Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou entrando no mérito de como chegamos a essa situação, nem propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir. Mas é fundamental que a terceira classe conte com a garantia de um mínimo de dignidade e primeira classe pague passagem progressivamente proporcional à sua renda.

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Enquanto isso, seguimos parecidos, contudo, como um navio remado por trabalhadores que, a qualquer sinal de tempestade, aumenta a frequência do estalar do chicote.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL