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Bolsonaro retomou genocídio indígena de onde ditadura militar havia parado
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Jair Bolsonaro impôs aos indígenas um ultimato: ou se aculturavam e liberavam suas terras para a exploração econômica ou morriam de fome, de doença, à bala. Dessa forma, retomou o genocídio de onde a ditadura militar havia parado. A diferença é que, sob ele, tudo parece ter sido feito com muito orgulho e sem nenhum pudor.
A tentativa de genocídio na terra indígena Ianomâmi acabou rendendo imagens de crianças esquálidas que correram o mundo, para azar do "mito". Apontado como responsável, o ex-presidente tentou tirar o seu da reta, dando a entender que o problema é fruto da migração de venezuelanos fugindo da crise em seu país. A conversa é para boi dormir, mas despertou o seu rebanho, que rumina teorias conspiratórias para justificar cadáveres.
Militantes da extrema direita reclamam de injustiça nas acusações a Bolsonaro. Afinal, quem poderia imaginar que ter o próprio presidente da República incentivando a ação de garimpeiros, madeireiros e traficantes levaria doenças e violência armada a territórios indígenas? E quem poderia prever que o um governo desestruturar o sistema de atendimento à saúde de povos tradicionais e enfraquecer programas de alimentação traria fome e morte, não é mesmo?
Como mostrou Carlos Madeiro, aqui no UOL, bolsonaristas estão atacando o Exército por conta das operações em socorro aos ianomâmis ordenadas pelo governo Lula. Queriam que os militares dedicassem seu tempo a um golpe de Estado. Tem burrice, mas também cara de pau e fascismo.
O ex-presidente deixou claro seu incômodo com os direitos das populações indígenas aos seus territórios desde que era apenas um deputado federal especializado em rachadinhas. Quando chegou ao controle do Poder Executivo, deu início a uma ofensiva contra esses povos que repetiu as ações de consequências genocidas da ditadura militar ao negar-lhes terras, forçar sua aculturação, dificultar acesso a alimentos e permitir a exploração econômica de seus territórios por terceiros, mesmo à revelia.
Governo Bolsonaro disse que estava fazendo nova 'Lei Áurea' ao atacar indígenas
Após a Funai, então sob responsabilidade do Ministério da Justiça de Sergio Moro, cortar a ajuda a comunidades indígenas que vivem em áreas não-demarcadas, gerando fome no Mato Grosso do Sul, e de um ex-missionário evangélico ser indicado para cuidar da área que deveria proteger populações indígenas isoladas, Bolsonaro deu início ao seu plano de integração econômica forçada.
Em 5 de fevereiro de 2020, durante o evento que celebrou os 400 dias de seu governo, Jair bradou "o índio é um ser humano exatamente igual a nós". E enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para liberar a exploração mineral, a construção de hidrelétricas, a agropecuária e o turismo em territórios indígenas. Empolgado, o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, definiu o tal projeto como uma "Lei Áurea". Consequentemente, comparou o lobby de empresas por esses recursos naturais ao movimento abolicionista.
Doze anos antes, em maio de 2008, em meio a um bate-boca em audiência pública na Câmara para discutir se a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deveria ser contínua ou não, Jecinaldo Sateré Maué, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, bateu-boca com Bolsonaro e jogou um copo de água na sua direção. "Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens", afirmou o então deputado.
E, em 2004, durante outra reunião sobre a Raposa do Sol, Jair disse: "O índio, sem falar a nossa língua, fedorento, é o mínimo que posso falar, na maioria das vezes, vem para cá, sem qualquer noção de educação, fazer lobby".
'Escala de ódio e de barbárie de Bolsonaro'
"Esses crimes refletem a escalada de ódio e barbárie incitados pelo governo perverso de Jair Bolsonaro, que segue nos atacando diariamente, negando o nosso direito de existir e incitando a doença histórica do racismo do qual o povo brasileiro ainda padece", disse uma nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante a cúpula das Nações Unidas sobre o clima, em Madri, já em dezembro de 2019. Vale destacar que ele chegou a culpar os indígenas pelas queimadas na Amazônia.
"Há gente passando fome aqui nas comunidades Guarani e Kaiowá. Continua criança indo para cama passando fome", me disse Elizeu Pereira Lopes, representante da aldeia Kurusu Ambá no conselho Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, principal organização desse povo) naquela época.
Diante das reclamações por causa de invasões de garimpeiros a territórios indígenas ocorridas em seu governo, como aquelas contra a etnia Waiãpi, no Estado do Amapá, e os Ianomâmi, Bolsonaro disse que havia um complô internacional para a transformação dessas áreas em países independentes a fim de que suas riquezas pudessem ser exploradas.
"Esse território que está nas mãos dos índios, mais de 90% nem sabem o que que tem lá e mais cedo ou mais tarde vão se transformar em outros países. Há um interesse enorme de outros países de ganhar, de ter para si a soberania da Amazônia", disse.
Os territórios indígenas - que são responsáveis por altas taxas de conservação ambiental - nunca realizaram um plebiscito ou montaram uma campanha de guerra pela independência do Brasil. Pelo contrário, querem é mais atenção do governo federal, querem se sentir efetivamente brasileiros através da conquista de sua cidadania, o que inclui o direito à sua terra. Coisa que o país nunca garantiu totalmente a eles.
Exemplos de tentativas de genocídio envolvendo indígenas pipocaram na ditadura - e eram sufocadas pela censura.
Ditadura militar tentou genocídio de indígenas
Os Waimiri-Atroari vivem entre os Estados de Roraima e do Amazonas. Durante a ditadura, milhares deles foram executados em nome da implementação de grandes projetos na região.
Relatos colhidos de sobreviventes em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), por exemplo, contam que helicópteros sobrevoaram aldeias derramando veneno e detonando explosivos sobre centenas de indígenas reunidos para celebração de rituais de passagem. Depois disso, ataques a tiros, esfaqueamentos e degolas violentas praticadas por homens brancos fardados contra adultos e crianças sobreviventes. Tratores passaram, na sequência, destruindo tudo.
O MPF cobra que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade, adote medidas de reparação e de indenização pelas violências cometidas contra a etnia entre os anos 70 e 80.
"Um dos depoimentos mais fortes apresentados à Justiça na audiência foi prestado por um que sobreviveu, quando adolescente, a um ataque aéreo e terrestre contra uma aldeia localizada nas proximidades do traçado da rodovia BR-174. Ele relatou que os indígenas ouviram muito barulho vindo de cima e não sabiam do que se tratava. Pouco tempo depois, começaram a sentir muito calor no corpo, não conseguiam mais andar e ficaram todos 'muito doentes', em decorrência de veneno jogado do alto. Ele contou ainda que, depois que se ver praticamente sozinho em meio aos corpos de seus pais e irmãos e dos demais indígenas presentes, testemunhou homens brancos entrarem na aldeia por terra, armados com facas e revólveres", afirmou o MPF.
Além dos ataques, as obras para a abertura da rodovia BR-174, ligando Manaus a Boa Vista e à Venezuela, levaram doenças para a população kinja (como eles se identificam). Muitos morreram sem apoio e a rodovia se tornou vetor de ocupação do Estado de Roraima e orgulho da ditadura. O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma, com base em dados oficiais, que houve uma redução de 3 mil, nos anos 1970, para 332 indígenas nos 1980.
Bolsonaro cita sempre esse trecho da Amazônia como exemplo de preservação e de desenvolvimento sustentável. Não se sabe se é cinismo ou ignorância.
O ex-presidente ainda vetou um rosário de medidas de um projeto aprovado pelo Congresso Nacional voltado a proteger comunidades tradicionais, que apresentam extrema vulnerabilidade. Excluiu a obrigação de garantir água potável, fornecer materiais de higiene e limpeza, ofertar leitos hospitalares e em UTIs, distribuir cestas básicas, entre outras, durante a pandemia. Entregou esses povos à própria sorte.
Bolsonaro precisa ser investigado, processado e punido aqui no Brasil e em instâncias globais, como o Tribunal Penal Internacional - onde uma denúncia contra ele por esse motivo, levada em 2021, aguarda análise.
Bolsonaro continuou de onde a ditadura parou. Deve estar orgulhoso.