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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Após corrupção, genocídio e golpe, Jair diz que pode ser preso 'do nada'

Ansa
Imagem: Ansa

Colunista do UOL

15/02/2023 13h26

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O ex-presidente Jair Bolsonaro foi extremamente modesto ao afirmar, em entrevista ao Wall Street Journal, que "uma ordem de prisão pode vir do nada", quando ele voltar ao Brasil do seu autoexílio nas cercanias da Disney. Pois ele fez por merecer uma cana longa por atacar a democracia e causar mortes.

As investigações em curso sendo tocadas pela Policia Federal e pelo Supremo Tribunal Federal apontam que é ele quem está no centro de uma série de ações voltadas a derrubar o Estado democrático de direito.

Esse pacote envolveu o fomento aos acampamentos golpistas de onde brotaram as ações terroristas de 12 de dezembro (quando ônibus e carros foram queimados em Brasília), de 24 de dezembro (com a bomba plantada em um caminhão de combustível para explodir o aeroporto da capital federal) e de 8 de janeiro (com a invasão e depredação das sedes dos Tres Poderes).

Mas também a tentativa de anulação de 59% das urnas no segundo turno usando o PL como aríete, a minuta de golpe militar na casa de Anderson Torres, as conspirações com membros das Forças Armadas contra a urna eletrônica e até uma arapuca contra Alexandre de Moraes envolvendo o senador Marcos do Val.

Isso sem contar as centenas de indígenas Yanomami mortos e os quase 700 mil óbitos por covid-19 por ação e omissão de seu governo. E os pastores que cobraram propina em ouro no Ministério da Educação, a corrupção que grassava na compra de vacinas no Ministério da Saúde e a tentativa de adquirir votos de miseráveis usando o Auxílio Brasil e o crédito consignado.

Não é à toa que Jair Bolsonaro voou para os Estados Unidos dias antes de terminar o mandato e por lá ficou, tentando vender que o golpismo não pode ser operado de longe. "Eu nem estava lá, e eles querem me culpar!", disse ele ao jornal norte-americano, usando um álibi tão eficaz quanto a cloroquina para a covid-19.

Uma ordem de prisão não virá do nada, pelo contrário, seria uma ação tardia da Justiça. E caso o Brasil não seja capaz de processar e condenar o seu ex-presidente por atentar contra a democracia e contra a vida dos seus cidadãos, a República Miliciana que ele instalou vai continuar crescendo até devorar o próprio país.

Bolsonaro é a peça-chave do núcleo político golpista da extrema direita. Basta perguntar a qualquer um dos presos na Papuda ou na Colmeia por que invadiram as sedes dos Três Poderes para, em pouco tempo, chegarmos a ele, seus discursos e postagens. Ele diz que não foi sua mão que cometeu os crimes, mas foram suas orientações e a de seus aliados que empurraram os idiotas para cometê-los em seu nome.

No culto bolsonarista, a liberdade de garimpar na terra yanomami é maior do que a vida de centenas de crianças com menos de cinco anos, mortas de fome e de doenças; o "direito" de não usar máscara é mais importante que salvar vidas na pandemia; a de lucrar a qualquer custo é mais relevante do que a de garantir um mínimo de dignidade aos trabalhadores e evitar a ocorrência de escravidão e do trabalho infantil; a de perpetrar um golpe de Estado é maior que a Constituição.

Bolsonaro tentou implementar uma República em que as regras e normas que balizam a vida em sociedade fossem deixadas de lado em nome da lei do mais forte, ou melhor, do mais armado. Não à toa, na entrevista, ele disse "os donos de armas estavam comigo" nas eleições.

Nesse contexto, ao invés do Poder Judiciário ser o responsável por julgar, ele mesmo assumiria essa função. Dissemina, dessa forma, um projeto de sociedade miliciana, onde a Justiça é trocada pelo justiçamento. Na qual a mediação dos conflitos naturais em toda a sociedade é atacada em nome da possibilidade de cada um resolver da forma como melhor entender os seus problemas.

Um projeto em que as instituições atestam o que o "líder supremo" diz diretamente para o povo ou precisam ser emparedadas. Como já disse aqui, punir o golpismo levando o "líder supremo" à cadeia é garantir que as instituições brasileiras tenham um futuro.

Uma prisão de Jair não viria do nada, mas seria um ajuste de contas com os que morreram por causa dele e não estão mais aqui para exigir Justiça.