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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

‘Nudez’ de yanomamis desnutridos faz Instagram e Facebook derrubarem fotos

Crianças Yanomami desnutridas pela inação do governo e a ação de garimpeiros - Urihi Associação Yanomami/Sumaúma Jornalismo
Crianças Yanomami desnutridas pela inação do governo e a ação de garimpeiros Imagem: Urihi Associação Yanomami/Sumaúma Jornalismo

Colunista do UOL

26/02/2023 10h42

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Postagens no Facebook e no Instagram de links de textos jornalísticos com fotos de crianças Yanomami desnutridas vêm sendo removidas das plataformas sob a alegação de que não seguem os padrões da comunidade sobre "nudez" e "atividade sexual". Mesmo após apelação dos usuários, as imagens permanecem fora das redes.

Um exemplo é a foto que abre este texto. A coluna teve acesso a reclamações feitas por usuários ao Facebook e ao Instagram contra a retirada de conteúdo que contém essa imagem e outras semelhantes divulgadas pela Urihi Associação Yanomami. Eles receberam como resposta de que a apelação foi negada, mas que o caso seria usado para melhorar decisões futuras.

Imagens de crianças indígenas da etnia Yanomami gravemente desnutridas circularam no Brasil e no exterior, entre janeiro e fevereiro deste ano, sendo o fato jornalístico mais relevante daquele momento. Na sequência, o governo Lula começou a implementar uma operação de guerra para retirar os garimpeiros ilegais da terra indígena e levar socorro humanitário.

Reportagem do portal Sumaúma apontou que 570 crianças indígenas Yanomami com menos de cinco anos morreram por causas evitáveis no governo Jair Bolsonaro. O Ministério dos Povos Indígenas avalia que outras 100 teriam morrido por fome e doenças apenas em 2023.

Garimpeiros ilegais levaram malária, contaminação por mercúrio e violência ao maior território indígena do país, localizado em Roraima, protegidos pelo ex-presidente. Ele incentivou o garimpo ilegal, desmobilizou as estruturas de fiscalização e não garantiu atendimento à saúde e o fornecimento de alimentos a essa população.

O agravamento da situação Yanomami foi sendo relatado por reportagens jornalísticas ao longo dos últimos anos, mas o impacto da imagem das crianças gerou comoção internacionalmente, embasando a ação do governo federal. Sem as fotos, portanto, a história teria sido diferente.

"Compartilhei uma notícia denunciando o genocídio do povo Yanomami, mostrando as crianças indígenas desnutridas. O Facebook ocultou a publicação e me bloqueou porque, segundo eles, ela ia contra os 'padrões da comunidade', que aquela publicação tinha 'atividade sexual'. Milhares de publicações com fake news, discursos de ódio e pessoas realmente nuas e vieram achar violações com crianças indígenas Yanomami desnutridas?", desabafa um dos usuários da plataforma.

Outro usuário afirma que apelou contra a decisão de remoção das fotos de crianças indígenas desnutridas por nudez ao Comitê de Supervisão do Facebook - que, segundo a plataforma, analisa de forma independente decisões de conteúdo mais difíceis e significativas. Contudo, a reclamação não foi selecionada para ser discutida por essa instância.

Questionada, a Meta ainda não enviou um posicionamento sobre o caso.

Caso levanta discussão sobre moderação de conteúdo nas plataformas

A nudez indígena é tema que gera polêmica na plataforma. Por exemplo, em 2015, o Ministério da Cultura ameaçou ir à Justiça contra o Facebook por conta do bloqueio de uma fotografia de 1909 que mostra uma indígena com seios expostos - a foto acabou sendo republicada.

Três anos depois, a conta da Funai foi bloqueada por sete dias por uma foto de indígenas Waimiri Atroari com seios à mostra. E um especial do fotógrafo Sebastião Salgado, publicado no jornal Folha de S.Paulo, com fotos de indígenas parcialmente nus, teve seu compartilhamento impedido pela plataforma.

A mesma tecnologia que gera esse tipo de remoção também impede que fotos de crianças nuas sejam publicadas diariamente em redes de pornografia infantil, o que, claro, é uma ação imprescindível por parte da empresa.

A questão é que, neste caso, houve recurso por parte dos usuários, que avisaram à Meta que se tratava de material jornalístico de forte interesse público referente a um caso que a própria Polícia Federal investiga como tentativa de genocídio. Mesmo com a apelação, as imagens não foram republicadas.

Imagens de crianças nuas e famélicas, durante a guerra civil em Ruanda, ajudaram a alertar o mundo para o conflito na década de 1990. Tal como a icônica foto da menina Kim Phuc Phan Thi, nua, com o corpo queimado por napalm, durante a Guerra do Vietnã, em 1972.

"É preocupante que as políticas da Meta não consigam separar pedofilia de denúncias da fome e da doença em comunidades indígenas. É ainda mais grave que o conselho consultivo, que se ocupa de sugerir melhorias nas políticas da empresa, tenha descartado esse caso clássico no qual o bom senso sugere mudança", afirma Pablo Ortellado, professor do curso de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo.

"A única explicação para esse episódio é que seria custoso demais para a empresa, do ponto de vista dos recursos humanos, separar os casos em que há pedofilia das denúncias de interesse público. A Meta mais uma vez coloca seu interesse econômico acima do interesse público. E demonstra porque a regulação por parte do Estado é necessária", avalia.