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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Haddad e Tebet fazem Bolsonaro 'desaparecer' sob o novo arcabouço fiscal

Ministro da Fazenda Fernando Haddad e ministra do Planejamento Simone Tebet em apresentação da nova regra fiscal - Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda
Ministro da Fazenda Fernando Haddad e ministra do Planejamento Simone Tebet em apresentação da nova regra fiscal Imagem: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

Colunista do UOL

30/03/2023 15h35

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Expectativa: Voltar ao Brasil carregado por uma multidão gritando "mito" e povoar as manchetes principais dos veículos de comunicação o dia inteiro. Realidade: deixar o aeroporto pela lateral, ver um grupinho de fãs na porta do PL e constatar que a divulgação do arcabouço fiscal de Lula tomou o noticiário.

Jair Bolsonaro escolheu a véspera do aniversário do golpe militar de 1964 para voltar ao Brasil. Imaginava que ele próprio seria o principal assunto da imprensa, o que alertaria que o "mito está on" de novo. Não contava, contudo, que as atenções dos adultos estariam voltadas às novas regras fiscais, apresentadas por Fernando Haddad e Simone Tebet, ministros da Fazenda e do Planejamento, respectivamente, na manhã desta quinta (30).

Enquanto Jair respondia, em entrevista, sobre o escândalo das joias dadas pela ditadura saudita, que ele disse serem decorrentes da "amizade com o povo árabe", ignorando as suspeitas de suborno e propina, Haddad e Tebet davam entrevista apresentando as novas regras para limitar os gastos do governo em substituição ao teto de gastos. Teto que Jair furou mais do que alvo velho em clube de tiro.

A política e a economia esperavam de Lula esse novo arcabouço, que será agora discutido e emendado no Congresso Nacional, como sinalização de que o governo está comprometido com as contas públicas. Disso dependem investimentos, planejamento de empresas, ou seja, a reconstrução do país. A direção do Banco Central até fez chantagem, segurando a redução dos juros para forçar o governo a divulga-lo.

Claro que a chegada de Jair é um dos principais assuntos nas redes sociais e em aplicativos de mensagens - monitoro grupos bolsonaristas e eles estão excitados com a volta de seu líder. Alimentar o Bolsoverso, o universo paralelo bolsonarista, cumpre parte dos seus planos de que ele está de volta após 89 dias de autoexílio ao lado da Disney.

Contudo, seus aliados também contavam com a exposição gratuita e não impulsionada que seria dada pela imprensa caso não houvesse nada mais importante para ser relatado para chegar a um público mais amplo. Apenas alguns veículos mais alinhados ao bolsonarismo continuaram priorizando Jair após Haddad e Tebet começarem a falar, o restante voltou-se ao que interessa de fato.

Os atos golpistas de 8 de janeiro (repletos de impressões digitais de Jair) e o escândalo das joias árabes (que ele tomou para si apesar de pertencerem ao governo) reduziram muito a vontade de parte dos seus seguidores de demonstrarem publicamente o seu amor por ele. Mas não há dúvidas de que o ex-presidente continua como a mais importante figura da oposição ao governo Lula, até por falta de opções. Foram 49,1% dos votos válidos e isso não é pouco.

Ele precisava deste momento para fortalecer sua imagem - o que, consequentemente, aumentaria o custo político de um juiz de primeira instância manda-lo à prisão preventiva por uma ação que trate de qualquer um dos vários crimes que cometeu.

É saudável e democrático que o principal tema nos veículos de comunicação seja o desenvolvimento da economia do país, e não as groselhas que o ex-presidente diz. Se não houvesse o evento sobre o marco fiscal, um dos principais temas do dia talvez fosse o machismo que ele despejou ao indicar que é ele quem decide o futuro eleitoral da esposa. "A senhora Michelle não tem a vivência para enfrentar uma batida dessa", sentenciou.

Ironicamente, a família Bolsonaro, especialista em fazer desaparecer temas que não são de seu interesse usando outros assuntos, submergiu diante das reais prioridades nacionais.