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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Culpar Lula pelo desmatamento de Bolsonaro é ignorar a herança maldita

Christian Braga/Greenpeace
Imagem: Christian Braga/Greenpeace

Colunista do UOL

07/04/2023 09h57

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Assim que os dados de desmatamento no primeiro trimestre foram divulgados, apontando recorde de destruição no Cerrado e a segunda mais alta taxa da série histórica na Amazônia, bolsonaristas ficaram em polvorosa tentando atribuir isso ao governo Lula. O episódio é o puro suco do cinismo, uma vez que essa destruição foi "contratada" ainda na gestão passada.

Aliás, não deixa de ser irônico que o bolsonarismo use dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para atacar o atual governo sendo que Jair Bolsonaro elegeu o instituto, responsável por mapear o avanço da perda de cobertura vegetal no país, e o seu então diretor, o cientista Ricardo Galvão, como inimigos de sua administração por revelar o aumento da destruição.

O presidente Lula e a ministra do Meio Ambiente Marina Silva deverão ser cobrados pelo caos caso não consigam mudar a realidade implementada pelo governo anterior - que desmantelou políticas de combate a crimes ambientais, atacou a fiscalização e colocou servidores públicos em risco de morte, transformando o país em um pária ambiental global.

Mas hoje o desmatamento no Brasil é uma carreta sem freio descendo a ladeira com o nome de Jair estampado no capô. E, claro, um "patriota" de amarelo pegando carona. O ex-presidente pegou o país com uma devastação ambiental em queda e o entregou em alta.

Para ter uma ideia da situação desesperadora, o Ibama anulou há poucos dias os efeitos de uma decisão do governo Bolsonaro que permitia o calote em multas ambientais no valor de R$ 29,1 bilhões. A medida foi respaldada pela Advocacia-Geral da União (AGU). Alguém acredita que criminosos deixam de desmatar sem punição?

O ministério afirmou à reportagem da Folha de S.Paulo que o número de multas já está 219% maior neste início de ano na Amazônia, e cresceram apreensões de bens e produtos relacionados ao desmatamento, além dos embargos de propriedades.

Nesse sentido, circulou pelas redes bolsonaristas, nesta semana, deprimentes mimimis de produtores rurais conclamando uma guerra contra os fiscais porque seu gado foi apreendido em terras griladas no Sul do Amazonas.

Quando os primeiros dados do sistema Deter, que traz informações de desmatamento em tempo real, deram números otimistas no início do ano, e muita gente boa celebrou como o fim do pesadelo, alertei para termos calma pois não se freia a tal carreta de uma hora para a outra e sem muito sofrimento.

Temendo a derrota eleitoral daquele que tanto os ajudou, madeireiros e garimpeiros ilegais, grileiros de terra e produtores rurais que agem ao arrepio da lei correram para colocar o máximo de floresta no chão em 2022. Sabiam que qualquer outro semovente que assumisse a Presidência da República no ano seguinte não daria a mesma vida fácil. Precisavam fazer tudo o que pudessem naquele momento porque o governo era deles.

E o que significa o governo ser "deles"? Ministro do Meio Ambiente acusado de ajudar em esquema ilegal de exportação de madeira da Amazônia, governo que exonera superintendente da Polícia Federal por investigar o tal ministro, presidente que ataca fiscais do Ibama e do ICMBio e cientistas do Inpe exatamente por fazerem o seu dever.

Contando com as anistias que o Congresso Nacional aprova a desmatadores e grileiros de tempos em tempos, o bolsonarismo rural apostou na política de terra arrasada e de fato consumado.

Conversei com fiscais que atuam no Cerrado que disseram que o comportamento de muitos produtores que atuam ilegalmente continua o mesmo do ano passado. Em sua avaliação, isso não é apenas para peitar o novo governo, mas também testar até onde a gestão petista topa ir na repressão.

Repito: o PT terá sua parcela de culpa socioambiental, como teve com o desastre que foi a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Mas, por enquanto, o novo governo ainda está revirando os escombros deixados por Bolsonaro, ressuscitando o sistema de proteção ambiental e buscando formas de evitar que a carreta caia no precipício na próxima curva.