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Com mamata do Judiciário, os Três Poderes do Rio se revezam em escândalos
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Cansado de ver os Poderes Legislativo e Executivo ganharem espaço na imprensa brasileira por conta de seus escândalos, o Judiciário do Rio resolveu mostrar que não está de brincadeira. E chegou com 677 milhões de novos argumentos.
Reportagem de Eduardo Militão, do UOL, revelou, neste sábado (27), que o Tribunal de Justiça do Rio pagou R$ 677 milhões em bônus salariais para 604 juízes e desembargadores no último ano. E os desembolsos ainda não terminaram.
A justificativa dos magistrados é de que é um direito da categoria. Mas foram eles próprios que julgaram que podiam receber de forma retroativa a diferença no pagamento do benefício por tempo de serviço extinto há duas décadas. Fizeram isso com base na interpretação de uma decisão do STF que equiparou salários de ministros da corte ao de desembargadores nos estados.
Imagine se cada trabalhador pobre do Rio de Janeiro tivesse o poder de decidir que, a partir deste mês, o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, que diz que o salário mínimo deve atender a todas as necessidades básicas de uma família, fosse cumprido integralmente?
De acordo com cálculo mensal feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), o valor saltaria imediatamente de R$ 1.320 para R$ 6.676,11.
A explicação para o descumprimento histórico desse direito constitucional é que o país quebraria diante do pagamento ao andar de baixo da sociedade. Mas o Estado do Rio também está quebrado, em plena recuperação judicial. Mesmo assim, benefícios de 48% dos magistrados do Rio, que estão entre os mais bem pagos servidores públicos do país, foram depositados.
A mamata é imoral, mas não é ilegal porque a Justiça, que são eles mesmos, definiu que não é.
Nos últimos 20 anos, os ex-governadores Luiz Fernando Pezão, Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho foram presos em meio escândalos de corrupção. Já Wilson Witzel foi afastado. Contra o atual ocupante do posto, Cláudio Castro, há o escândalo de folhas secretas de pagamento de funcionários fantasmas, revelado pelo UOL. Elas foram usadas para distribuir centenas de milhões a cabos eleitorais e aliados.
A Assembleia Legislativa do Rio teve de tudo: de parlamentares presos por corrupção em meio a operações da Polícia Federal de combate à corrupção, como a operação Furna da Onça, passando por relações promíscuas como milicianos até desvio de dinheiro público dos gabinetes, as chamadas rachadinhas - que tiveram no então deputado estadual e, hoje, senador, Flávio Bolsonaro, um dos seus expoentes.
Mas o Judiciário fluminense também não fica atrás, com casos de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, como as denúncias contra o desembargador Mário Guimarães Neto; escândalos de venda sentenças, a exemplo do juiz João Luiz Amorim Franco, premiado com a aposentadoria compulsória; as investigações criminais que mostram indícios de que juízes responsáveis por recuperações judiciais receberam um cascalho para agir em favor da empresas, entre outros casos.
A separação entre o que é público e o que é privado, que nunca foi bem respeitada em todo o país, no Rio assume caráter de piada desde que a cidade era sede do reino unido de Portugal, Brasil e Algarves.
A imagem de um Rio de Janeiro em que membros da cúpula servem primeiro a si mesmo e, depois, ao bem público não é, portanto, novidade. Mas fica difícil construir uma democracia quando há a percepção generalizada de que esse é o comportamento esperado de alguém que atinja o poder. Lembrando que a perda de credibilidade nas instituições abriu caminho para tragédias recentes da política, que, inclusive, foram gestadas no Rio.