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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

PM tortura negro, esmurra idosa e bombardeia indígenas em cinco dias em SP

Colunista do UOL

08/06/2023 10h13

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Agentes da Polícia Militar de São Paulo foram gravados, em menos de uma semana, socando uma mulher de 70 anos no rosto em Igaratá (SP), jogando bombas e balas de borracha em indígenas que protestavam na rodovia dos Bandeirantes e torturando um homem negro em um pau de arara dentro de um posto de saúde na capital. Lembrança de que não é fácil ser minoria em direitos em São Paulo.

Se por um lado não é correto estender o comportamento criminoso de parte dos agentes de segurança à toda a corporação, por outro essa sequência de aberrações não pode ser encarada como mera coincidência. Grupos que têm seus direitos sistematicamente ignorados foram protagonistas de violência, expondo falhas na formação, na orientação e na fiscalização da polícia.

Tampouco é correto afirmar que a truculência de setores da PM-SP surgiu com a eleição de Tarcísio de Freitas, como apontam alguns. Quem, como eu, cresceu nas franjas da capital sabe bem como funciona o abuso policial. Sem contar que ignorar o passado é um desrespeito à memória dos mortos, como os do massacre de maio de 2006, por exemplo.

É didático para o governo que os três casos descritos acima tenham vindo à tona através de vídeos gravados por celulares, contrapondo-se a uma posição crítica às câmeras nas fardas dos policiais que o então candidato empunhou no início da campanha do ano passado. Imagens são poderosas e graças a elas abusos têm sido denunciados. O apoio da população às câmeras fez com que Tarcísio parasse de defender a revisão da política. Mas vem falhando em garantir o direito da população de gravar a atuação policial.

Para além dos equipamentos nas fardas, cidadãos gravarem e postarem intervenções policiais violentas, identificando placas de viaturas e os rostos dos envolvidos, se tornou um dos principais atos de resistência a uma parte do Estado que enxerga pobre como inimigo. A resistência contra agressões do poder público ganhou outro patamar com o barateamento da tecnologia dos smartphones e com as redes sociais.

E policiais que optam pelo caminho criminoso sabem disso. E tentam intimidar quem registra suas ações.

O autor do vídeo que denunciou a tortura de um homem negro acusado de furtar produtos em um supermercado na Vila Mariana, zona sul da capital, que foi amarrado em um pau de arara em uma Unidade de Pronto Atendimento na madrugada de domingo (4) para segunda, disse que foi intimidado pela PM.

"O policial não gosta e já vem e pergunta o meu nome, pede o meu RG. Ele fica me perguntando se sou formado em segurança pública", afirma o homem que registrou em entrevista ao jornal O Globo. "Diz que é para eu ir à delegacia como testemunha. 'Você vai por bem ou por mal', ele falou."

Da mesma forma, o policial Kleber Freitas que socou Vilma de Oliveira, de 70 anos, que é deficiente auditiva, que tentava proteger o filho que estava sendo vítima de agressões do policial no último dia 30, tentou tomar o celular que havia gravado o golpe, mas não conseguiu.

No caso do homem negro colocado no pau de arara, a justificativa capenga dada por policiais é que ele reagiu à prisão. Como um grupo de PMs não consegue deter uma pessoa sem apelar à tortura? No episódio do murro na cara de Vilma, o policial reclama que ela o agrediu - uma desculpa frouxa porque trata-se de tapinhas de uma mulher de 70 anos que tentava proteger o filho.

Já no bloqueio da rodovia dos Bandeirantes por membros do povo Guarani e apoiadores que protestavam contra o projeto de lei do Marco Temporal no dia 30, a Tropa de Choque da Polícia Militar lançou bombas de gás, balas de borracha e jatos d'água. Afirma que as negociações não avançaram, o que contrasta com os dias que a polícia levou para retirar golpistas que trancavam estradas de São Paulo entre 31 de outubro de 2 de novembro do ano passado.

Se policiais militares não conseguem operar de forma digna com a população, então estão fazendo hora extra em sua corporação. E se a corporação não mudar seus métodos para garantir que a tortura de negros pobres, o espancamento de mulheres idosas pobres e a agressão contra indígenas pobres não se repitam, é a própria instituição que precisa ser refundada. Pois os três casos não foram os únicos, mas apenas os que ganharam repercussão.

O problema é a sensação de que estamos mais perto de ver um projeto de lei proibindo a gravação de ações policiais por câmeras de cidadãos do que uma desmilitarização e uma alteração profunda na lógica de forças policiais. Por exemplo, a polícia afirma que afastou os envolvidos, mas a idosa que levou o soco também será investigada por desacato e lesão corporal (os tapinhas...).