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Inelegível, Bolsonaro tem desafio de evitar a cadeia e manter a influência
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Proibido de disputar eleições por oito anos devido à palestra golpista que ministrou a embaixadores estrangeiros no Palácio do Alvorada, Jair Bolsonaro terá dois grandes desafios pela frente: evitar ir para a cadeia por atentar contra a democracia e manter a influência entre a direita conservadora. Alerta de spoiler: vai ser difícil.
Aliados do ex-presidente têm plantado na imprensa que a inelegibilidade vai liberar Bolsonaro para falar o que pensa, sem papas na língua. Conversa para boi dormir. Pelo contrário, a cassação dos direitos políticos do capitão reforça que ele pode ser atingido pela Justiça como qualquer outro cidadão.
Com isso, ele terá que continuar medindo o impacto de suas palavras, cuidado que ele e seus advogados já vinham tomando nos últimos tempos, uma vez que as investigações sobre atos antidemocráticos podem leva-lo à cadeia.
Por exemplo, neste mês, veio a público desmentir uma fake poucas horas após tê-la divulgado: que vacinas contra a covid-19 levam ao acúmulo de grafeno nos testículos. Essa desculpa seria impensável meses atrás.
As investigações da Polícia Federal em meio ao inquérito sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, que estão sob responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes, vêm se aproximando do ex-presidente. Praticamente, a cada semana o Brasil fica sabendo que algum assessor próximo ou aliado ilustre estava envolvido na construção de um plano para enterrar o governo Lula.
A última revelação bombástica foi um roteiro golpista no celular de seu faz-tudo, o tenente-coronel Mauro Cid. "Cidão", como era chamado no zap por outro golpista, o coronel Jean Lawand Júnior, não dava um espirro sem a anuência do capitão.
A expectativa é que Bolsonaro seja apontado como o idealizador de uma tentativa de golpe de Estado. Uma das ideias centrais do voto do ministro relator Benedito Gonçalves, no TSE, foi de que não podemos olhar situações isoladas, mas pensar no processo como um filme. Transposta para a questão criminal, Jair preparou o terreno que desaguou no 8 de janeiro através lives, discursos, postagens, articulações.
Isso também inclui os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal para impedir eleitores de Lula no segundo turno, o espalhamento de acampamentos golpistas, o uso das Forcas Armadas para colocar em dúvida o sistema de votação. Só não houve tanque na rua enquanto era presidente porque não teve o apoio da maioria do Alto Comando do Exército.
Bolsonaro tem medo real de ser preso. Ao dar uma entrevista ao jornal Wall Street Journal, em fevereiro, disse que "uma ordem de prisão pode vir do nada" quando ele voltasse ao Brasil do seu então autoexílio nas cercanias da Disney. Esse mesmo temor se manifestou repetidas vezes na comparação que fez entre si e outra líder sul-americana: a ex-presidente da Bolívia, Jeanine Añez, condenada por um golpe de Estado em junho do ano passado. Ela estava presa há 15 meses e sendo julgada junto com ex-chefes militares.
Tornar Bolsonaro inelegível pode aumentar o custo político de enviá-lo para a prisão? Isso depende do crescimento da economia a ser entregue por Lula. Se emprego e renda estiverem bombando e o empresariado e os trabalhadores felizes, as reclamações de Jair serão apenas lamúrios do passado.
Aqui há outro ponto importante. Mais relevante do que o poder que alguém tem hoje é a perspectiva de poder que ela terá no futuro. Isso atrai ou afasta aliados. Por mais inegável que seja a influência que Bolsonaro mantenha sobre milhões de brasileiros, ela tende a erodir com o tempo caso ele se mantenha impedido de concorrer.
Jair manteve-se em campanha durante os quatro anos de seu governo - o que ajuda a explicar a reunião com embaixadores estrangeiros, um ato puramente eleitoral. Isso mantinha seus seguidores em estado de constante excitação, sempre prontos para defendê-lo sob a perspectiva de ele continuar na Presidência.
Agora, uma nova pessoa ocupará o seu posto à frente do candidato do bolsonarismo em 2026. Os nomes hoje possíveis, como o governador Tarcísio de Freitas, gostariam do apoio dele, mas não de sua orientação.
Há uma grande chance de Bolsonaro se manter como uma espécie de referência em costumes e comportamentos para uma parcela considerável, mas escanteado quando a conversa envolver apenas adultos, como eleições e formação de alianças.
A diferença com Lula, que permaneceu preso por 580 dias, é que o petista criou o lulismo, já Bolsonaro não criou a direita conservadora, apenas a organizou sob a alcunha de bolsonarismo. Ela já estava aí, envergonhada, mas estava.
Hoje, ela está firme e forte, graças a ele, crescendo de tamanho no interior do Brasil no que o cientista político Mathias Alencastro chama de Mega-Centro-Oeste: uma amálgama de agronegócio forte e neopentecostalismo onipresente cantado pelo sertanejo. Os novos dados do Censo 2022 mostram que o Brasil cresceu exatamente aí.
Grato por ajudar a ser organizar, essa direita conservadora pode, muito bem, dizer obrigado a Bolsonaro, coloca-lo em uma estante de honra e procurar outro líder, um sem tantos boletins de ocorrência, que possa guiá-la na rebelião contra as elites do litoral.
Tendo que gastar tempo em sua própria defesa a fim de se afastar do xilindró, Bolsonaro também deve involuntariamente abrir espaço para que outro ocupe seu lugar. Rei morto, rei posto? Não, mas rei fraco dá passagem, se não é atropelado.