Leonardo Sakamoto

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Opinião

Lula tira militar de escola enquanto bolsonarismo aposta em guerra cultural

Um dia após o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) associar professores a traficantes de drogas em um evento em defesa das armas, o governo Lula começou a notificar, nesta segunda (10), que o programa federal de fomento a escolas cívico-militares, criado por Jair Bolsonaro, será progressivamente cancelado.

Claro que a decisão do governo federal não se deve às declarações do filho 03 do ex-presidente da República, até porque o encerramento do programa já estava em planejamento na transição de governo no final de 2022. Mas os dois atos estão intimamente ligados.

Um dos principais argumentos de Bolsonaro para a conversão de unidades de ensino regulares em escolas cívico-militares foi uma suposta doutrinação ideológica de esquerda em sala de aula, além da falta de disciplina de estudantes e de segurança nas dependências das instituições. Ou seja, na cabeça de Jair era necessária uma intervenção na educação como parte de sua guerra cultural de extrema direita.

Isso vai ao encontro do que disse Eduardo Bolsonaro no domingo (9): "não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante de drogas, que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime". E foi além: "Talvez até o professor doutrinador seja ainda pior, porque ele vai causar discórdia dentro da sua casa, enxergando opressão em todo tipo de relação".

Ironicamente, reclamações sobre opressão surgiram em escolas cívico-militares. Ao longo de sua implementação, professores e estudantes reclamaram de censura em assuntos que incomodavam os policiais (em sua maioria, bolsonaristas), assédio moral de militares sobre professores e até adolescentes levados à delegacia por desacato ao invés de buscar soluções dentro da escola.

Vale não confundir esse tipo de escola com as criadas e geridas pelo Exército ou pelas PMs, que não serão afetadas pela decisão do governo federal. No modelo bolsonarista, que tem 215 escolas cadastradas, policiais e militares participam da gestão e organização, mas o comando do ensino segue, em tese, a cargo dos civis.

Nelas, a criançada e jovens usam farda - o que gera uma série de questionamentos sobre que papel o Exército deve cumprir na sociedade e em que lugares ele realmente deve estar. Tal como os questionamentos ao vermos o tenente-coronel Mauro Cid de farda na CPMI do 8 de Janeiro, calando-se sobre o apoio de militares à tentativa de golpe de Estado e empurrando a imagem do Exército para a lama.

Tirar militares de dentro da escola não ocorrerá do dia para a noite. E estados e que quiserem manter o modelo, vão ter que assumir a conta. Claro, vai ter reclamação de pais que acreditam na proposta. Por isso, o governo precisa demonstrar que não é farda que garante qualidade de ensino, mas gestão e recursos.

Sim, os supostos bons resultados em notas nessas unidades de ensino têm menos a ver com a suposta disciplina hierarquizada imposta pelo novo tipo de gestão e mais com a dinheirama extra disponibilizada pelo governo federal para a manutenção do programa.

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Em um momento em que faltam recursos para o pagamento de profissionais qualificados para a educação, o que ajuda de fato a transformar a realidade da educação básica, há recursos sendo destinados a pagar militares - que, por mais bem-intencionados que sejam, não são treinados para educar, mas para a guerra. Guerra que os bolsonaristas querem levar a cabo, entregando pistolas e rifles para a população e apontando sua mira para os professores.

Além disso, há uma questão sobre a percepção de segurança versus segurança de fato.

O ataque a tiros que deixou dois estudantes mortos em uma escola em Cambé (PR), em 19 de junho, pelas mãos de um ex-aluno de 21 anos foi usado para a campanha pelo armamento e por mais escolas cívico-militares. Não é a primeira vez que mortes em escolas são usadas para isso.

O mesmo aconteceu após o massacre em uma escola em Suzano (SP), na chacina em Saudades (SC), no ataque à escola estadual Thomazia Montoro, na capital paulista, ou mesmo nas mortes em Realengo, no Rio de Janeiro.

O fato de ser cívico-militar não impediu que a Escola Eurides Sant'Anna, em Barreiras (BA), fosse palco de um ataque a tiros de um aluno de 14 anos que terminou com a morte de uma estudante cadeirante de 19 anos em 26 de setembro do ano passado.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL