Leonardo Sakamoto

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Opinião

Camelódromo Bolsonaro reforça que coisa pública foi tratada como a privada

Ficou claro nos últimos anos que Jair Bolsonaro fez com a coisa pública o que ele estava acostumado a fazer confortavelmente na coisa privada. Mas certos episódios ainda chocam dada à percepção de que os envolvidos acreditavam que a reeleição era certa e, portanto, nada aconteceria com eles. Dez no quesito "cara de pau", mas zero no de "análise de conjuntura". O Camelódromo Bolsonaro, palco de muamba com o patrimônio público, é exemplo disso.

Uma operação da Polícia Federal, nesta sexta (11), investiga um suposto esquema de venda de presentes dados ao Estado brasileiro durante viagens oficiais ao exterior. Entre os alvos de busca e apreensão, o pai do tenente-coronel Mauro Cid, general Mauro Lourena Cid. Amigo de Bolsonaro e seu colega na Academia Militar das Agulhas Negras, ganhou do ex-presidente a chefia do escritório brasileiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami.

Também o tenente Osmar Crivelatti (sim, mais militares... Duque de Caxias se remexe no túmulo), que trabalhava na ajudância de ordens da Presidência da República ao lado de Cidinho, e o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. A operação foi autorizada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.

Em nota, a PF diz que "os investigados são suspeitos de utilizar a estrutura do Estado para desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Brasil, por meio da venda desses itens no exterior". E que o cascalho entrou no patrimônio deles sem passar pelo sistema bancário. Ou seja, além de peculato, lavagem de dinheiro.

A questão que se coloca é se esses bens de alto valor surrupiados da União, que deveriam ter ficado como patrimônio do povo brasileiro, passaram por intermediários apenas como etapa para atingir a conta de Jair Bolsonaro. Se sim, a capivara de Jair pode crescer exponencialmente.

O rolo do Rolex já havia colocado Mauro Cid, assessor para assuntos golpistas, caixa eletrônico de Michelle, hacker de cartão de vacina, ajudante de ordens contra urnas eletrônicas, também em chefe da lavanderia de Bolsonaro. Agora, a operação traz sua família e amigos.

A CPMI dos Atos Golpistas analisa trocas de mensagens de Cid negociando um relógio da marca Rolex que Jair ganhou do governo da Arábia Saudita por cerca de US$ 60 mil, quase R$ 300 mil.

Após revelado o escândalo de que Bolsonaro havia surrupiado joias que deveriam ter sido destinadas ao patrimônio da União devido ao seu alto valor, e pressionado para que outras, confiscadas pela Receita Federal, fossem liberadas mediante carteirada, o ex-presidente devolveu os mimos. Mas, antes, Cidinho tentou transformá-los em dindim.

"Quanto você espera receber por ele? O mercado de Rolex usados está em baixa, especialmente para os relógios cravejados de platina e diamante, já que o valor é tão alto", afirmou Maria Farani, que assessorou o Gabinete Adjunto de Informações do gabinete de Bolsonaro. Mauro Cid disse a ela que não tinha o certificado do relógio porque "foi um presente recebido durante uma viagem oficial".

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Com a presença dos militares Cidinho, Cidão e Crivelatti no Camelódromo de Bolsonaro, reforço minha sugestão de que o Exército deveria avaliar a inclusão da disciplina "Técnicas de Mercado Livre e OLX" ao lado de tática de guerra e atuação em forças de paz. Para quem não acha isso engraçado, um lembrete: quem permite que a força vire piada é ela própria ao não depurar seus próprios quadros.

Comparado com Mauro Cid, Fabrício Queiroz, antigo faz-tudo de Bolsonaro e que foi acusado de ser responsável por arrecadar grana desviada de salários de servidores de gabinetes da família, as famosas "rachadinhas", era um mero recruta. Muito mais graduado do que o antigo roleiro, Cid também representa um risco muito maior para a liberdade do ex-presidente.

A operação da PF ganhou a alcunha de "Lucas 12:2". Neste versículo, o Evangelho diz: "Mas nada há encoberto que não haja de ser descoberto; nem oculto, que não haja de ser sabido".

Quando veremos uma operação sobre Jair? Poderia ser "João 8:32" ("E conhecereis a verdade, e a verdade os libertará"), aproveitando um versículo por ele citado ad nauseam sobre a transparência, tanto pregada, mas tão pouco seguida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL