Leonardo Sakamoto

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Opinião

Na ONU, Lula defendeu redução da desigualdade, e Bolsonaro, cloroquina

O presidente Lula abriu os discursos de chefes de Estado na Assembleia Geral das Nações Unidas, na manhã desta terça (19), dando sequência a uma tarefa que já dura nove meses: afastar do Brasil a imagem de pária ambiental e de irrelevância internacional construída com afinco por seu antecessor. "Nosso país está de volta", afirmou.

Um bom termômetro do que estou dizendo é que as piadinhas ou comentários de piedade que recebíamos de colegas jornalistas de outros países durante os discursos de Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022 desapareceram. E, pelo que constatei com membros da missões brasileiras na ONU, o mesmo tormento atingia nossos diplomatas e também cessou.

A maioria dos chefes de Estado usa o púlpito para falar com suas audiências domésticas. Foi assim com Bolsonaro, que aproveitou o megafone para distribuir fake news aos fãs no Brasil por três anos. E, em 2022, para fazer um comício eleitoral de luxo em Nova York.

Poucos são os que, por seu peso econômico e/ou geopolítico, ou por holofotes conjunturais, como o caso de Volodimir Zelensky, presidente da Ucrânia, podem almejar mais atenção. Lula falou com o Brasil, mas também para o mundo. O quanto foi ouvido, é outra questão.

O petista começou o discurso falando que acredita na capacidade de mudança do mundo. Citou as mudanças climáticas ("que bate às nossas portas, destrói nossas cidades, mata, impõe perdas - sobretudo aos mais pobres"), da fome, das doenças, da falta de emprego. "É preciso vencer a resignação", defendeu.

Gastou um bom tempo defendendo que o mundo reduza a desigualdade - o que, segundo ele, passa por fazer com que as demandas sobre ricos e pobres sejam diferentes. Isso vale para países, classes sociais e agências internacionais.

"Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, não das soluções", afirmou com relação à importância de uma nova governança global. Criticou a forma como as decisões são tomadas em organizações econômicas e o protecionismo de países ricos. Disse que há uma dissonância entre a voz dos mercados e das ruas. Defendeu a necessidade de retomar valores que levaram à fundação da ONU.

Não à toa citou o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, alto funcionário da ONU, que morreu em um atentado terrorista em Bagdá há 20 anos. Relembrou, dessa forma, uma época em que o Brasil tinha ascendência no sistema das Nações Unidas.

Após citar conflitos em curso em uma série de países, da Palestina e Haiti ao Iêmen e Gabão, Lula afirmou que "a guerra na Ucrânia escancara nossa capacidade coletiva de fazer valer os propósitos e princípios da carta da ONU".

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Nesse sentido, apontou que o Conselho de Segurança da ONU vem perdendo importância, lembrando que os membros vem travando guerras por expansão territorial (uma referência à Rússia) ou mudanças de regimes (indubitavelmente, uma cutucada nos Estados Unidos).

Soberano sobre a maior parcela da maior floresta tropical do mundo e lar de uma das maiores biodiversidades do planeta, o Brasil tem uma posição natural de liderança ambiental em um momento em que o mundo sente os efeitos das mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global.

Não à toa, uma parte importante do discurso do petista, nesta terça, foi dedicado a reafirmar que o Brasil voltou no campo ambiental. Disse que agir contra mudança do clima significa combater desigualdades históricas e afirmou que a redução no desmatamento da Amazônia caiu 48% desde o início do ano.

Cobrou os países ricos (que ajustaram o termostato do planeta para a posição "Gratinar os Idiotas") para a sua responsabilidade de financiar as mudanças necessárias e executar de fato, medidas. Lembrou que o Sul Global é o que mais sofrem com o clima. Disse que vem se organizando com os países detentores de grandes florestas tropicais.

O ponto de retorno do país à essa área já havia ocorrido na COP 27, a cúpula da ONU para o clima, realizada no Egito, em novembro passado. Naquele momento, Lula assumiu o protagonismo enquanto Jair estava preocupado com joias árabes e com golpe de Estado.

Para efeito de comparação, tendo que dar uma resposta sobre as imagens de fogo que consumia parte da Amazônia, Bolsonaro culpou "índios" e "caboclos", em seu discurso na ONU, em setembro de 2020. Livrou, assim, a barra de grileiros, madeireiros, garimpeiros e pecuaristas ilegais (seus eleitores) pelo aumento na destruição.

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Citação ao ódio e à extrema direita

Também era esperada uma menção de Lula à necessidade de proteger a democracia depois que o mundo viu as cenas grotescas da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro. "A democracia garantiu que superássemos o ódio. A esperança venceu o medo", disse. Mas também criticou "aventureiros" de extrema direita - em uma clara referência a Jair.

Vale lembrar que em seu discurso de 2021, Bolsonaro exaltou as micaretas golpistas do 7 de setembro daquele ano - quando atacou o sistema eletrônico de votação, bateu em instituições, disse que não respeitaria decisões do Supremo Tribunal Federal e chamou o ministro Alexandre de Moraes de "canalha".

(Talvez muita gente boa não lembre dessa parte do discurso porque estava chokita com a defesa que ele fez da cloroquina para tratamento da covid-19.)

Lula também retomou o seu discurso de combate à fome como base do combate a essa desigualdade. Falou dos programas Brasil sem Fome e Bolsa Família. Mas também defendeu o fim de embargos, como o que sofre Cuba a partir dos Estados Unidos.

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Para efeito de comparação: em 2021, Bolsonaro terceirizava a sua responsabilidade pela alta da inflação, que dificultava o acesso dos mais pobres aos alimentos, a governadores e prefeitos. Afirmava que isso era consequência do isolamento social, repetindo o mantra que usa no Brasil, para forçar as pessoas a retomarem suas vidas em um momento em que centenas morriam por dia.

Mas não é no meio ambiente, no combate à fome ou mesmo no repúdio à guerra entre a Rússia e a Ucrânia que o discurso de Lula tocou em algo novo com potencial de se desdobrar em algo maior. Ele e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, devem assinar um compromisso pelo trabalho decente, nesta quarta (20). O principal ponto é a criação de uma plataforma de direitos para os trabalhadores de aplicativos.

"Aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas", afirmou em meio à discussão sobre uma nova governança global.

O Brasil discute em um grupo de trabalho no Ministério do Trabalho a adoção de uma regulamentação que passe pela garantia de seguridade social e remuneração mínima por parte das empresas de plataformas digitais. Hoje, elas decidem a vida de entregadores e motoristas. A questão é, contudo, global. Governos operando conjuntamente podem fazer avançar a questão, bloqueada pelo lobby e pelo dinheiro.

Bolsonaro deu às costas para a nossa tradição de diplomacia independente e com foco em instituições multilaterais e fechou o Brasil para o mundo, voltando-se para o umbigo da extrema direita, sendo tratado como um pet do governo Donald Trump.

Há muitas razões para criticar o governo Lula, mas o aumento nos gastos com cartão corporativo, que acompanharam o salto nas agendas internacionais da Presidência da República, não é um deles. Transparência, sim. Mas criticar esse tipo de gasto quando a necessidade é ir ao G7 no Japão? O estranho seria se fosse gasto em férias no Guarujá ou em São Francisco do Sul.

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O bolsonarismo, ressentido que o Brasil sob Jair era tratado como café com leite em fóruns internacionais, reclama do dinheiro que vem sendo investido em encontros para que o mundo perceba que o país voltou. Ao passo que não reclamaram do fato de R$ 4,7 milhões terem sido gastos por Jair no cartão quando ele estava de folga ou em motociatas. É muita jequice.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL