Seguranças de mercados são programados para matar negros em nome de bife
Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, que furtaram quatro pacotes de carne de uma unidade do supermercado Atakarejo, em Salvador, foram encontrados mortos com sinais de tortura e marcas de tiro em abril de 2021. Os seguranças do mercado entregaram ambos a traficantes para que fossem punidos e mortos. Agora, a empresa aceitou pagar R$ 20 milhões em um acordo com a Defensoria Pública da União e outras organizações na Bahia.
O pagamento é importante como instrumento de pressão e não elimina outros processos criminais e civis. Mas não é certeza de mudança de rota de uma empresa. Temos como exemplo o caso Carrefour.
João Alberto Silveira Freitas foi assassinado em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra, em 19 de novembro de 2020. Imobilizado, acabou sufocado e espancado até a morte no estacionamento por um segurança e um policial militar temporário.
Um acordo de R$ 115 milhões foi firmado com Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público do Rio Grande do Sul, além da Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado, além de entidades sociais em setembro de 2021. A empresa também prometeu mudar o comportamento em suas lojas.
Mesmo após isso, um casal foi torturado e humilhado por tentar furtar leite em pó no Big Bom Preço, pertencente ao grupo Carrefour, do bairro São Cristóvão, em Salvador, em maio deste ano. O caso gerou comoção após um vídeo com as agressões e a justificativa de ambos, de que o produto era para alimentar a filha que passava fome, viralizar nas redes sociais.
No dia 7 de abril, a professora negra Isabel Oliveira foi perseguida por um segurança enquanto fazia compras no Atacadão Parolin, em Curitiba, que pertence à rede francesa. No mesmo dia, Vinícius de Paula teve atendimento negado em um caixa preferencial vazio, que depois aceitou uma cliente branca que também não se enquadrava nos requisitos, no Carrefour, em Alphaville, condomínio de alta renda perto de São Paulo.
O fato é que picanha vale mais que a carne negra em empresas varejistas brasileiras. Em outubro do ano passado, dois homens foram torturados e extorquidos por cinco seguranças do UniSuper, em Canoas (RS), diante do gerente e do subgerente da loja, após tentarem furtar duas peças do corte. Vítima das piores agressões, um homem negro foi colocado em coma induzido no hospital com fraturas no rosto e na cabeça. Após o espancamento, o gerente ainda tirou uma foto para comemorar.
Boa parte das empresas varejistas envolvidas nesse tipo de caso culpa as empresas de segurança terceirizadas. Pouco importa, contudo, que sejam empregados diretos ou terceirizados, a responsabilidade pela violência ocorrida em suas dependência é também do tomador do serviço. Ainda mais quando o caso se repete e se repete, mostrando um padrão em que a empresa não se importa se alguém mata em nome de bife desde que a segurança seja feita.
Seguranças não são monstros alterados por radiação para serem insensíveis ao ser humano. Não é da natureza das pessoas que exercem a profissão tornarem-se violentas. Elas aprendem a agir assim. Na formação profissional que tiveram, na exploração diária como trabalhadores e na internalização de sua principal missão: primeira a mercadoria, depois as pessoas.
Para evitar esse padrão, o país terá que buscar mudanças na legislação para aumentar a responsabilização das empresas por crimes contra direitos humanos e aumentar a atuação de auditores fiscais do trabalho sobre empresas e suas terceirizadas.
Em um momento em que vozes dentro do próprio governo sussurram medidas que significam afrouxar a punição a empresas em nome do "crescimento econômico" e da "governabilidade", isso vai ser uma prova de fogo para uma gestão que se elegeu com o discurso de respeito aos direitos humanos.