Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Eleitores de Lula e Bolsonaro concordam: ser humano mudou clima do planeta

Para 72% dos eleitores de Lula no segundo turno do ano passado e 74% dos que votaram em Bolsonaro, as mudanças climáticas estão acontecendo principalmente por causa da ação humana, aponta pesquisa Genial/Quaest, divulgada com exclusividade pela coluna. Um empate técnico, considerando a margem de erro de 2,2 pontos.

Além disso, 9% dos eleitores de Bolsonaro e 6% dos que optaram por Lula creem que o clima está mudando por ação humana junto com outros motivos. E 14% dos que preferiram Lula e 13% dos que foram de Bolsonaro dizem que as mudanças climáticas têm outras razões. No total, apenas 2% do eleitorado de cada um deles afirmou que elas não estão acontecendo, ou seja, são negacionistas.

Isso aponta que a maioria dos eleitores de Bolsonaro se dissocia do que defende parte de suas lideranças sobre mudanças climáticas. O recorde de calor deste ano, as secas históricas na Amazônia e as chuvas torrenciais no Sul podem ter ajudado nessa dissociação.

Levantamento da Democracy Reporting International junto com a Agência Lupa mostra que dos 25 posts de parlamentares sobre meio ambiente que mais engajaram em 2023, seis deles expressavam ceticismo sobre as mudanças climáticas e/ou insinuavam que elas são apenas uma "arma" da esquerda para criticar o governo Bolsonaro.

Entre os que votaram branco ou nulo ou faltaram na eleição, 73% dizem que o clima está mudando por ação humana, 6% por ação humana e outros motivos, 11% por outros motivos e 3% que o clima não mudou.

Considerando toda a população, 73% acreditam que as mudanças climáticas estão ocorrendo por ação humana, 7% por ação humana e outros motivos, 13% por outros motivos e 2% que não estão acontecendo.

Os dados da Genial/Quaest apontam que a polarização política não atingiu a questão das mudanças climáticas. O que é uma boa notícia, considerando que o esforço necessário para colocar em prática ações a fim de limitar o aumento da temperatura do planeta e adaptá-lo para os eventos climáticos extremos mais frequentes.

Visão sobre clima é a mesma entre quem aprova e desaprova governo

As respostas também foram as mesmas entre aqueles que avaliam o governo Lula como positivo e os que o consideram negativo.

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O clima está mudando por ação humana para 71% dos que aprovam o governo e 72% dos que desaprovam; a ação humana rivaliza com outros motivos para 6% dos que avaliam o governo de forma positiva e 9% de forma negativa; e elas estão acontecendo por outros motivos para 14% de ambos os grupos.

Entre o que avaliam o governo como regular, são 77% que defendem que o clima está sendo alterado por ação humana, portanto acima da margem de erro dos outros dois grupos. E 6% por ação humana aliada a outras razões e 11% por outros motivos. Nos três grupos, apenas 2% dizem que não há mudança climática.

O consenso não é à toa, uma vez que todos sentiram na pele as Nações Unidas vem anunciando: que 2023 será o ano mais quente já registrado. Entre os entrevistados da Genial/Quaest, 92% apontam que 2023 foi mais quente que os anos anteriores e 55% dizem que tivemos mais incêndios.

Sobre o desmatamento, 50% dizem que ele aumentou, 19% que foi igual e 22% que foi menor. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que o desmatamento na região amazônica caiu 42% de janeiro a julho, mas disparou no Cerrado. No total, 60% acreditam que vai faltam água no mundo, frente a 35% que acham que não.

A taxa é de 60% entre os que votaram em Lula, 62% entre os eleitores de Bolsonaro e 59% dos que votaram branco, nulo ou se abstiveram. E 58% entre os que avaliam o governo Lula como positivo, 62% como negativo e 62% como regular. Tudo dentro da margem de erro.

Pesquisa sugere dissociação entre lideranças bolsonaristas e eleitores

Os dados da pesquisa mostram que existe uma divergência entre a maioria do eleitorado de Bolsonaro e lideranças bolsonaristas que negam ou menosprezam as mudança climáticas.

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O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por exemplo, postou em 14 de fevereiro deste ano: "A tal 'mudança climática' - antes alardeada como aquecimento global - é apenas o pano de fundo para que pessoas autoritárias como Lula se apossem de sua liberdade, obrigando você e sua família a viver como ele quer. Esta é única maneira, na cabeça dele, do socialismo dar certo".

Não foi o único. Giovani Cherini (PL-RS) defendeu, em novembro, que o aquecimento global "não existe". Na avaliação dele, o objetivo do alerta sobre a mudança climática "é o interesse internacional de escravizar agricultura brasileira de trazer máquinas elétricas para o Brasil e dizer que tudo isso é para preservação ambiental".

Essa foi a tônica durante a gestão anterior. Em agosto de 2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro, o então chanceler Ernesto Araújo deu declarações negacionistas em reunião com diplomatas: "Não acredito em aquecimento global. Vejam que fui a Roma em maio e estava tendo uma onda de frio enorme. Isso mostra como as teorias do aquecimento global estão erradas. Isso a mídia não noticia". Vale ressaltar que mudança climática leva ao aumento na frequência de eventos extremos de frio e calor e não apenas de calor.

O Brasil foi duramente criticado internacionalmente durante a gestão Jair Bolsonaro por conta do aumento nas queimadas e no desmatamento da Amazônia. O ex-presidente enfraqueceu instituições de fiscalização, como o Ibama, o ICMBio e a Funai, protegendo madeireiros, garimpeiros e pecuaristas ilegais. E em discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, culpou os indígenas pelo fogo que consumiu trechos da floresta amazônica.

Caso exemplar dessa política foi a punição a Alexandre Saraiva, delegado da Polícia Federal responsável pela maior apreensão de toras de madeira da história. Após encaminhar uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por ele ter dificultado o trabalho da fiscalização e defendido interesse dos criminosos, Saraiva foi transferido da Amazônia para Volta Redonda (RJ).

Na antológica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sugeriu a Jair Bolsonaro aproveitar que atenção da imprensa estava sobre a pandemia para enfraquecer regras de proteção e preservação ambiental. O tal "passar a boiada".

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Uma das promessas de campanha de Lula foi retomar o protagonismo nessa área, o que ele vem fazendo em fóruns internacionais sobre o tema, principalmente nas duas cúpulas da ONU sobre o clima da qual participou, uma antes de assumir o cargo, já como presidente-eleito.

Porém, internamente, apesar dos bons números da gestão Marina Silva à frente do Meio Ambiente, a quantidade de queimadas e de desmatamento ainda é alto noa Amazônia - e bate recordes no Cerrado. Enquanto isso, o Congresso Nacional tem atuado como trincheira do atraso, derrubando medidas que poderiam ajudar a mitigar as mudanças climáticas.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.