Se militar golpista não for preso, novo ‘8 de janeiro’ estará à espreita
Às vésperas do aniversário da 1ª Intentona Golpista do Bolsonarismo (vai saber quantas mais virão...), o país ainda aguarda o julgamento e condenação de políticos e militares que planejaram e fomentaram o 8 de janeiro. Tão importante quanto mandar um ex-presidente à cadeia por tentativa de golpe será punir um pacote de oficiais por contribuir com ela. Disso depende o futuro da nossa democracia.
Apesar dos esforços do atual comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, e do naco democrata da cúpula das três forças, para que os militares tenham um comportamento republicano e constitucional, são muitas as vivandeiras que continuam defendendo que compete a eles alguma espécie de poder moderador. Tanto que tentaram exerce-lo ilegalmente nos últimos anos.
Após a invasão das sedes dos Três Poderes, o Exército impediu a entrada da Polícia Militar no acampamento golpista em frente ao seu quartel-general, em Brasília. Imagens de dois blindados deslocados para mostrar que o comando falava sério chocaram muita gente que apostava que a ditadura militar havia terminado em 1985. Com isso, muitos bolsonaristas tiveram tempo de fugir.
O então comandante-geral, general Júlio César de Arruda, teria avisado ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que ninguém seria preso na noite do 8 de janeiro (13 dias depois, Lula escolheria o legalista Tomás Ribeiro Paiva para substituir Arruda). Quem era o responsável pelos blindados, que protegiam os golpistas? O general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, exonerado do Comando Militar do Planalto. Ele disse que afirmou a Lula, naquela noite, que haveria risco de conflitos e mortes no local se prisões fossem efetuadas no acampamento. O que foi visto no governo como chantagem.
Além disso, o coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, que comandava o Batalhão da Guarda Presidencial, foi flagrado em vídeo ajudando os vândalos a fugirem sem serem presos pela polícia após a destruição do Palácio do Planalto. Seus subordinados teriam feito corredores de proteção para os golpistas.
Como explicar que a nossa força terrestre foi guarda-costas de golpistas? A quem a sua "mão amiga" e o seu "braço forte" estavam protegendo? Familiares e amigos de militares? Precisamos dar nome aos bois e fazer com que a lei alcance também esse grupo. Eram os fujões financiadores dos ataques? Aliados políticos do bolsonarismo?
Para além do dia 8 de janeiro, vale lembrar que o acampamento golpista em frente ao QG do Exército também serviu de cabeça-de-ponte para o ataque à sede da Polícia Federal e a queima de carros e ônibus no dia 12 de dezembro e o planejamento da bomba colocada em um caminhão de combustível a fim de explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal.
Da mesma forma, dezenas de acampamentos montados à frente de instalações militares em cidades de todo o Brasil serviram para abastecer a mobilização golpista de 8 de janeiro, conforme vem mostrando investigação da Polícia Federal.
Voltando um pouco mais no tempo, após o segundo turno, os comandantes das Forças Armadas deram uma passada de pano monumental nos movimentos golpistas que acampavam em torno de quartéis e trancavam rodovias. Defenderam, em nota pública, que os atos eram legítimos, ignorando que eles não estavam pedindo mais arroz e feijão, educação ou saúde, mas um golpe de Estado com participação e prisão do presidente eleito. Esses "atos legítimos" desaguaram na tentativa de golpe.
Aliás, Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas com a ajuda dos militares. Em, novembro, os mesmos comandantes soltaram uma nota com uma falácia absurda, apontando que o fato de não terem encontrado problemas nas urnas não significava que eles não existiam (!!!).
Nos seus quatro anos de governo, Jair fechou uma sociedade com os militares, oferecendo cargos, vantagens na Reforma da Previdência, licitações de produtos de luxo para o oficialato.
Sob o capitão, militares se beneficiaram de Viagra e próteses penianas, camarão e filé mignon e continuaram ganhando pensões especiais para filhas não casadas e acesso a hospitais especiais. Coronéis articularam bizarras reuniões em que se negociou com reverendos, servidores públicos e indicados de políticos, sobrepreço e propinas para a compra de doses de vacina contra a covid-19 enquanto pessoas morriam por falta de imunizante.
Jair cobrou, em troca, cumplicidade para dobrar a democracia à sua imagem e semelhança. A quebra do sigilo do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-faz-tudo de Bolsonaro, mostra mensagens de oficiais sugerindo formas de executar o golpe de Estado e minutas golpistas dando poderes ditatoriais às Forças Armadas. Sem contar a vergonha de militares transformando-se em camelôs de joias surrupiadas da União para benefício pessoal do então presidente.
Como já disse aqui, nunca curamos as feridas deixadas por 21 anos de ditadura. Tapamos com um curativo mal feito, ao qual chamamos de transição lenta, gradual e segura.
Mas essas feridas continuam fedendo, apesar dos esforços estéticos. Não apenas pelo apoio e a anuência de membros das Forças Armadas à tentativa de golpe de 8 de janeiro, mas toda vez que o Estado mata - não como um infeliz efeito colateral da proteção da população ou de si mesmo, mas como execução de uma política de limpeza e contenção social.
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Quero receberO campo democrático se preocupa, com justiça, com as Forças Armadas. Mas se esquece que aquelas Forças de 1964 a 1985 têm herdeiros nas policiais militares - que, não raro, dão demonstrações de que obedecem só a si mesmas, alinhadas a um pensamento de extrema direita.
Este seria o momento de promover mudanças legislativas para garantir que militares fardados fiquem na caserna, deixando a política para civis, como tramita no Congresso Nacional. Mas não só: o ideal seria revisar a legislação para impedir a distorção da Constituição por extremistas que acreditam no tal poder moderador.
Uma ação mais abrangente, contudo, não deve ocorrer. O governo Lula, que falou grosso logo após o 8 de janeiro, fez um esforço para entregar mimos orçamentários aos militares de forma a mantê-los aquecidos e tranquilos. Não vai comprar essa briga.
A questão é que se todos eles não entenderem o seu lugar constitucional agora, vamos ficar sempre com medo de que um golpe com seu apoio esteja à espreita, ali na esquina. Ou que façamos as contas para verificar se temos uma "maioria democrática" na cúpula das forças.