Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Chacina de Unaí completa 20 anos com dois empresários ainda foragidos

Há exatos 20 anos, quatro servidores públicos do Ministério do Trabalho e Emprego foram fuzilados no Noroeste de Minas Gerais durante uma fiscalização em fazendas da região no que ficou conhecida como a Chacina de Unaí. Apesar de os envolvidos terem sido condenados, ainda há dois foragidos.

E um dos mandantes, o ex-prefeito Antério Mânica, foi preso apenas em setembro passado, após uma espera de mais de 19 anos, graças aos recursos protelatórios e idas e vindas do processo.

Os auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira realizavam uma fiscalização rural de rotina em fazendas de feijão quando foram atacados em 28 de janeiro de 2004.

O motorista Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, não resistiu e faleceu. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel parou o carro da equipe e homens fortemente armados desceram e cometeram um massacre. Os auditores fiscais morreram na hora.

Os irmãos Antério e Norberto Mânica, que estão entre os maiores produtores rurais do país, foram apontados como os mandantes pela Polícia Federal seis meses depois.

Os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda foram condenados, em agosto de 2013, e cumprem pena nos regimes semiaberto, aberto e fechado, respectivamente.

Acusado de contratar os matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como Chico Pinheiro) morreu em 2013 sem ser julgado e Humberto Ribeiro dos Santos, que ajudou a sumir com as provas do crime, teve a pena prescrita.

Norberto, em uma reviravolta no caso em 2018, registrou em cartório um documento confessando a encomenda da morte de "apenas" um auditor fiscal do trabalho. Segundo ele, os executores é que teriam matado os outros três que estavam na operação. Quis isentar, com essa declaração, seu irmão do crime e pleitear a redução de pena, justificando-se que teria ordenado a morte de uma e não quatro pessoas. A estratégia não funcionou para livrar Antério.

Entre os que orquestraram a chacina, os empresários cerealistas Hugo Alves Pimenta foi condenado a 46 anos, 3 meses e 27 dias de prisão e José Alberto de Castro a 58 anos, dez meses e 15 dias. Norberto Mânica recebeu 65 anos, sete meses e 15 dias e seu irmão, Antério, 64 anos.

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Foi apenas em setembro do ano passado, mais de 19 anos após o crime, que a Justiça finalmente determinou a prisão imediata dos últimos condenados pelo caso para o cumprimento da sentença.

Antério se entregou, em 16 de setembro. Após ser preso, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região acolheu recurso do Ministério Público Federal e reformulou a sentença, que passou para 99 anos 11 meses e 4 dias. José Alberto de Castro foi preso no dia 14 de setembro. Seguem foragidos, Norberto e Hugo Alves Pimenta.

O inquérito apontou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas multas impostas à família de fazendeiros, sendo que o auditor fiscal do trabalho Nelson José da Silva era o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações por sistematicamente descumprirem as leis.

Para entender a força política dos Mânica, mesmo após ser vinculado à chacina, Antério foi eleito prefeito de Unaí, em 2004, com 72,37% dos votos válidos. E reeleito em 2008. Em novembro de 2008, chegou a ser um dos condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Aguardando o processo em liberdade, ele pediu votos à reeleição de Jair Bolsonaro (PL), em 2022, através de um vídeo que circulou pelas redes sociais.

O nosso sentimento em relação ao processo judicial da Chacina de Unaí é que houve uma demora injustificável até chegar à sua conclusão. São 20 anos de muita dor para as famílias das vítimas e para os colegas. Uma ferida aberta, que trouxe insegurança para os auditores fiscais, na medida em que outros empregadores começaram a agir com base na impunidade do crime
Bob Machado, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait)

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Em sua avaliação, o fim da impunidade deste caso depende da prisão dos últimos dois foragidos.

A PF tem mandados a cumprir contra ambos. "Eles praticaram um crime contra quatro pessoas que estavam a serviço do Estado, verificando o cumprimento da lei. É um crime contra a sociedade", defende Machado.

A impunidade da Chacina de Unaí vem sendo apontada por organizações da sociedade civil que atuam no combate ao trabalho escravo como uma sinal negativo, de que é possível contestar as instituições de monitoramento e controle do Estado brasileiro.

A diferença no tratamento entre ricos e pobres não vem apenas na demora na condenação e cumprimento da pena. Enquanto aos mandantes foi concedida a possibilidade de cumprir pena na Penitenciária de Unaí, perto de casa e da família, aos executores, pessoas mais simples, não foi dada essa possibilidade.

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo

A história desse caso se confunde com a trajetória recente do combate à escravidão contemporânea no país, apesar dos quatro funcionários do então Ministério do Trabalho e Emprego não estarem fiscalizando esse tipo de exploração no momento de sua execução.

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Tanto que o 28 de janeiro tornou-se, desde 2009, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Em 2004, a votação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional que previa o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou a programas de habitação urbanos, ocorreu sob forte comoção pública gerada pela execução. Isso pressionou a decisão dos deputados, que aprovaram o texto.

Mas quando o sangue dos quatro esfriou, muitos ruralistas sentiram-se confortáveis para protelar a aprovação da PEC, cujo trâmite até a segunda aprovação na Câmara levou oito anos. Em 2014, a Emenda Constitucional 81 foi aprovada no Senado Federal e promulgada pelo Congresso Nacional, mas - desde então - aguarda regulamentação.

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