Leonardo Sakamoto

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Opinião

Tragédia no RS é aviso sobre derrocada da sociedade com a mudança do clima

A tragédia no Rio Grande do Sul, que matou 165 pessoas, gerou centenas de milhares de desabrigados e deixou o estado embaixo d'água, é um aviso que ainda não foi entendido pelo restante do país sobre o que vamos viver nos próximos anos com os eventos climáticos extremos trazidos pelo aquecimento global.

Se tivesse sido devidamente ouvido, boa parte dos brasileiros estaria em pânico, forçando o Congresso Nacional removeria todos os entraves que colocou nas últimas décadas para a proteção ambiental e empurrando governos para a adaptação e mitigação dos impactos nas cidades e no campo.

Em pouco menos de um mês desde que os primeiros temporais caíram sobre o solo gaúcho, além da perda de vidas, de plantações, de indústrias, de comércios, de residências, de rodovias, de cidades inteiras, também tivemos sinais de erosão dos elementos que nos mantém funcionando como sociedade.

Mulheres foram estupradas e atacadas em abrigos, casas alagadas foram saqueadas, facções criminosas brigaram entre si e impuseram suas regras sobre comunidades. Até um condomínio de luxo em Pelotas passou a bombear a água de forma irregular para se proteger, trazendo pânico para a comunidade pobre ao lado que já havia sofrido com inundações ao lado.

Por mais que o Brasil tenha vivido exemplos maravilhosos de solidariedade, de amor ao semelhante, também tivemos uma aperitivo da derrocada da civilização que virá com o novo clima. É o cada um por si e Deus acima de todos.

Cientistas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, vêm alertando que elas trarão conflitos armados e guerras por conta do instinto mais básico, o de sobrevivência. Nesse contexto, a disputa por recursos naturais, como água fresca, terra para plantar e relevo seguro para morar, já provocam disputas violentas não apenas entre países, mas também, e principalmente, entre classes sociais.

Basta folhear os relatórios anuais sobre conflitos no campo editados pela Comissão Pastoral da Terra para ver que as mudanças climáticas já derramam sangue de pobres no interior do país em disputas por água e por solo.

No Brasil, os mais vulneráveis, que, ao longo do tempo, foram enxotados para encostas de morros e várzeas de rios, já estão mais uma vez sendo expulsos de locais de interesse dos mais ricos por conta do clima. Seja pelo aprofundamento da especulação imobiliária selvagem, seja pela criação de leis e regras em nome da necessidade de quem mais tem.

Ao mesmo tempo, situações extensas de calamidade pública, com a redução da presença do estado para garantir direitos sociais básicos ou uma segurança pública mínima facilitam para organizações criminosas, como milícias, assumirem o controle de mais territórios.

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Imagine o que acontecerá com os milicianos no Rio de Janeiro com uma subida significativa do nível do mar e a desestruturação do sistema já contaminado e insuficiente de segurança pública?

Com uma tragédia que atingiu de forma ampla uma das 27 unidades da federação, o Estado brasileiro está penando para dar uma resposta efetiva. Pense, agora, a mesma coisa ocorrendo em diversos estados simultaneamente. A Força Nacional e as Forças Armadas não terão amplitude para garantir a anomia. Tão pouco governos vão ter recursos econômicos para dar garantir o mínimo. Veremos, nesses casos, a instalação da lei do mais forte. Ou, pior, do mais armado na disputa por comida, por água, por espaço.

O que estamos chamando hoje de inferno é apenas um aperitivo de nosso novo normal. Já ajustamos o termostato do planeta para a posição "gratinar os idiotas". E, neste momento, diante da falta de medidas eficazes tomadas por governos para reduzir as emissões de carbono (como podemos ver na hipocrisia da diferença entre o que governos dizem nas cúpulas da ONU sobre o clima e na ânsia por explorar novos poços de petróleo no dia a dia), estamos nos esforçando apenas para que o assado fique pronto antes da hora.

Nas próximas décadas, teremos milhões de refugiados ambientais por conta da subida no nível dos oceanos e pelos eventos climáticos extremos; fome em grande escala devido à redução e desertificação de áreas de produção e à perda da capacidade pesqueira; aumento na quantidade de pessoas doentes e subnutridas, além de conflitos e guerras em busca de água e de terra para plantar. Muita gente vai morrer no Brasil e no mundo. E os sobreviventes terão que adaptar sua vida para conviver com um ambiente mais hostil e violento.

O mundo tentava manter o aumento da temperatura global em 1,5 grau Celsius até 2100, mas já ultrapassamos a marca. Podemos chegar a 3, 4 ou 5 graus a mais. De acordo com o IPCC, com um limite de aumento de 2 graus Celsius na temperatura global, 37% da população global estará exposta a ondas de calor severas pelo menos uma vez a cada cinco anos (sim, o calor mata mais do que as chuvas); o nível do mar vai subir quase meio metro; a pesca reduzirá a produção em 3 milhões de toneladas e a agricultura produzirá 7% a menos de trigo nos trópicos. Mas se ficarmos em 2 graus, será lucro.

Claro que, ao final, os ricos comprarão sua proteção. Os mortos nos conflitos e guerras será, como sempre, principalmente os pobres. Conflitos por conta das mudanças climáticas já pipocam. A questão é se o Brasil, como conhecemos hoje, sobrevive a eles.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL