Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Governo Lula lamenta chuva no Sul, mas 'contrata' crise ambiental no Norte

Enquanto o governo federal lamenta que as mudanças climáticas tenham ajudado a inundar o Rio Grande do Sul, o mesmo governo federal pressiona pela abertura de mais uma fronteira de exploração de petróleo na costa da Amazônia, que ajudará a bombar as mudanças climáticas. Contraditório? Claro! Mas como as grandes potências mundiais também se alimentam da mesma hipocrisia, o Brasil nem cora ao vivê-la publicamente.

Há dois tipos de negacionistas. Um é o que habitava os corredores palacianos do governo Jair Bolsonaro e defendia que as mudanças climáticas são uma mentira. Houve até ministro que dissesse que o aquecimento global médio ocorreu porque os termômetros que antes mediam a temperatura do planeta ficavam no mato e, hoje, estão no asfalto. O outro tipo é o que habita parte dos corredores do governo Lula ou de estatais e não nega a existência das mudanças climáticas, mas defende que ainda dá tempo de fazer um bom dinheiro com o mesmo modelo de desenvolvimento que nos trouxe até aqui sem que isso afete o aquecimento global.

No final das contas, um come com as mãos e o outro usa garfa e faca, mas o comportamento de ambos leva ao mesmo fundo do poço.

Porque não dá mais tempo. Mesmo se parássemos de lançar carbono na atmosfera neste momento, a mudança já contratada iria tornar a vida no planeta um caos. A questão é agirmos para que ela seja um purgatório (1,5 a 2 ºC de aumento médio) ou deixarmos que seja um inferno (qualquer coisa mais do que isso). Quem tem filhos e/ou netos deveria estar em pânico.

Tanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, quanto a nova presidente da Petrobras pressionam pela liberação da exploração de petróleo na costa do Amapá. Em entrevista nesta segunda (27), Magda Chambriand deixou clara sua meta ao afirmar que "temos novas fronteiras importantes a perseguir, dentre elas a questão do Amapá, na bacia Foz do Amazonas".

Ao ser questionada sobre o impacto da produção de petróleo sobre o clima e sobre as cheias no Rio Grande do Sul, ela defendeu que desastres podem ocorrer por uma série de fatores e citou até aterros sobre áreas antes alagadas. Claro que os impactos dos eventos extremos têm múltiplas causas, mas isso não permite que as responsabilidades das petrolíferas na conversão para uma economia de baixo carbono não sejam cobradas. O Brasil precisa de petróleo, mas também precisa de um clima decente para sobreviver.

As propostas da petrolífera BP para o bloco 59, na região da costa do Oiapoque (AP), foram vetadas pelo Ibama. Quando assumiu essa área, em 2020, a Petrobras não propôs nada de diferente de sua antecessora, acreditando que sua força política faria o instituto, que licencia a pesquisa e exploração, mudar de ideia. Desde então, em vez de se debruçar sobre as questões colocadas, com estudos mais detalhados sobre o ecossistema local e um plano de contingência decente, a Petrobras, o ministério e políticos no Congresso Nacional bradam que a decisão do Ibama é o fim dos tempos.

Ironicamente, fim dos tempos é o que estamos construindo ao manter o mesmo modelo de desenvolvimento.

O Ibama não vetou a exploração de petróleo na região, só demandou que houvesse mais pesquisa e planos decentes a fim de garantir que impactos não ocorressem. Mas o instituto, que está sob a aba do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, deveria sim colocar na conta a questão dos impactos climáticos trazidos pela abertura de uma nova fronteira de exploração de petróleo sem que o mundo tenha tecnologia para sequestrar de forma barata o carbono na atmosfera, causando mais efeito estufa e acelerando o nosso processo de extinção.

Continua após a publicidade

Não defendo censurar a profunda contradição de quem chora pelo Rio Grande do Sul e grita pelo poço de petróleo no Amapá. Mas seria importante, ao menos, que a população tivesse o direito de ver essa cena com legendas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL