Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonarismo ataca, de novo, a democracia, agora com projeto sobre praias

Parte do bolsonarismo-raiz nas redes sociais tem se esforçado em defender a proposta de emenda à Constituição que trata do controle de regiões costeiras e entorno de lagos - que pode limitar o acesso de populações tradicionais e turistas a essas áreas. A PEC, já aprovada na Câmara, está sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Há espaço para aprovar mudanças que atualizem o contrato entre a União e aqueles que contam com o usufruto dessas áreas. Mas o que a proposta coloca vai muito além, não vendendo faixas de areia, mas dando a quem ocupa suas margens o poder de limitar o acesso a elas. E pior: de criar problemas a comunidades de pescadores, caiçaras ou ribeirinhos, que moram, trabalham e, por isso, protegem o meio ambiente local.

Como já disse aqui, praias são o espaço mais democrático do país, em que ricos (ainda) têm que engolir os pobres a seu lado. É, portanto, paradigmático que, depois de atacar instituições democráticas durante anos e planejar um ataque ao Estado democrático de direito quando perdeu as eleições, em 2022, o bolsonarismo mais radical esteja pressionando por mais esse ataque à democracia.

E ele, novamente, está de mãos dadas com um naco retrógrado e anacrônico do empresariado nacional. Se na tentativa golpista, ele contou com o apoio de donos de restaurantes, de redes de lojas, de parte do agronegócio, agora tem o suporte daquelas que querem fazer dinheiro com a exclusão social e a pilhagem do patrimônio natural brasileiro.

É interessante que os defensores do projeto não defendem salvaguardas para anular as críticas. Por que não defendem acesso 24 horas à orla sem constrangimento e sem limites impostos pelos empreendimentos? Acesso amplo de quem é de fora com a mesma facilidade para quem manda no terreno? Por que não defendem travas para evitar que a população pobre venda de suas terras por ninharia para grandes empreendimentos? Ou a transformação de áreas hoje usadas para moradia e trabalho por comunidades tradicionais, como caiçaras e ribeirinhas, em região de uso coletivo por tempo indeterminado?

O Nordeste (que apanha tanto do bolsonarismo em época eleitoral, dizendo que seus habitantes não sabem votar), vem sendo usado como justificativa para aprovar a proposta. Aponta-se que, com ela, a qualidade de vida vai melhorar. Mas a realidade é que, hoje, há uma série de projetos imobiliários, turísticos, agropecuários e extrativistas, ao longo da costa nordestina, que são a verdadeira dor de cabeça para os moradores locais, expulsando ou limitando proteções a comunidades.

Empregos podem ser gerados, mas qual sua qualidade e quais as mudanças na vida para essa população? Quantos estudos de impacto ambiental foram produzidos sobre isso? Pelo contrário, os malefícios são bem maiores do que benefícios.

Quer levar desenvolvimento e proteção social não só a Nordeste como a áreas pobres em outros pontos da costa? Vá no sentido oposto a esse projeto. O Brasil não precisa de soluções alienígenas, que enriqueceram alguns, empobreceram tantos e criaram problemas ambientais lá fora, o Brasil precisa de respeito aos direitos existentes.

É possível instalar resorts com a lei existente, tanto que eles existem aos borbotões em nossa costa e, não raro, já privatizam o espaço público, expulsam e poluem, dada a fiscalização insuficiente e o conluio com o poder local. Mas a questão é como fazer mais dinheiro, removendo direitos ambientais e sociais conquistados após o final da ditadura. Se esse é o amor desse povo pela democracia, imagina o ódio.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL