Apagão lembra como somos reféns das Big Techs e das tecnologias com chabu
Milhares de horas vêm sendo gastas discutindo como a inteligência artificial pode vir a criar problemas para a existência humana, mas não foi a Skynet que causou um apagão global, nesta sexta (19), e sim, ao que tudo indica, algo mais prosaico: uma falha de atualização em um software da empresa de cibersegurança CrowdStrike que atua no Windows da Microsoft.
Em todo o mundo, inclusive no Brasil, o tráfego aéreo, sistemas bancários, serviços de saúde, empresas de mídia, supermercados, entre outras tantos negócios, foram afetados. Imagens de caos em aeroportos de Nova York a Manila e de computadores bloqueados de São Paulo a Londres, ostentando as famigeradas telas azuis da morte, viralizaram. Geraram memes e, mais do que isso, dor de cabeça.
Isso não mostra apenas como somos dependentes de sistemas frágeis que podem dar chabu, colocando em risco a nossa vida. Pior do que isso: cibersegurança é assunto prioritário de Estados Nacionais, a questão é que eles confiam em empresas que prometem fornecer serviços sem falhas, mas que vendem produtos com defeitos. E depois vendem soluções para lidar com os próprios defeitos ou transformam em parceiros os que fazem essa venda. Até que os defeitos daquilo que é vendido como a "correção do defeito" derrubam os sistemas.
Deveria haver uma dimensão de responsabilidade compartilhada, mas o problema é que os Estados nacionais viraram reféns das empresas tanto na oferta de serviços quanto na oferta de solução dos problemas que elas mesmas criam.
Apenas nos lembramos que sistemas tecnológicos são interdependentes e possíveis de falhas quando elas ocorrem e provocam reações em cadeia - sim, construímos uma sociedade baseada na internet esquecendo que serviços públicos podem ser derrubados por uma atualização de segurança - a mesma segurança que nos prometeram ao usar os sistemas deles.
Além de tudo isso, em ocasiões como esta, em um pau global, percebemos o risco de termos o Windows como plataforma comum de milhões de máquinas ao redor do mundo.
Evgeny Morozov, especialista em política e tecnologia, lembrou hoje um artigo que ele havia escrito no The Guardian, em 2017, fazendo um alerta: "Quanto mais inseguro for o software da Microsoft, maior será a procura dos seus serviços de cibersegurança para o proteger".
"Pior ainda, os governos - em vez de fazerem algo para reduzir esses conflitos de interesses - estão apenas a agravá-los. Permitem que as empresas tecnológicas utilizem os seus serviços de inteligência como bodes expiatórios, ao mesmo tempo que criam um mercado secundário de armas cibernéticas que podem depois ser utilizadas por pequenos criminosos para incutir terror e pavor na população", completa.
É, portanto, um bom momento não apenas para responsabilizar empresas por que fizeram de errado e por aquilo que não conseguem entregar. Mas também incentivar a comunidade internacional de que ou ela sai desse cativeiro em que foi colocada pelas big techs, procurando soluções que não passem por elas, ou vai ter que aceitar um liberalismo de tela azul.