Pablo Marçal afaga bolsonarismo ao atacar beneficiários do Bolsa Família
Reproduzindo o discurso que agrada ao bolsonarismo, Pablo Marçal é o principal herdeiro dos votos do ex-presidente na capital paulista, com 48% dos eleitores de Jair frente a 31% do prefeito Ricardo Nunes, segundo Datafolha. Um exemplo são suas críticas ao Bolsa Família, programa de distribuição de renda criado por Lula em seu primeiro governo e anabolizado neste terceiro.
Em sabatina UOL/Folha, Marçal sugeriu que os beneficiários são "desempregados profissionais" e são "proibidos de trabalhar", o que não é verdade: mesmo trabalhando, se a renda da família for inferior a meio salário mínimo por cabeça, ela continua recebendo. E reincorpora a figura do coach que critica o Estado e diz que prosperidade é questão de esforço — como se pobre não se esforçasse.
Reportagem do UOL, nesta sexta (6), levantou os momentos em que o candidato atacou o programa que atinge 695 mil pessoas em São Paulo. Por exemplo, à Globonews, neste mês, disse que o programa dificulta a geração de empregos. Em 2023, chamou o programa de "Bolsa Miséria", dizendo que ele é "um sequestro para manter as pessoas na pobreza". No mesmo ano, em palestra, disse que iria acabar com o Bolsa Família e substitui-lo pela redução de impostos nas empresas. "A pessoa vai sair de casa para aprender uma profissão, mas só vai receber se trabalhar. Pronto."
Na reta final de seu governo, Bolsonaro abraçou e turbinou o Bolsa Família (que sob sua gestão mudou para o Auxílio Brasil), atrás dos votos dos mais pobres. Não seu certo porque os eleitores dessa faixa preferiram Lula. Isso não apaga, contudo, as declarações que ele deu ao longo do tempo, mostrando desprezo pelo programa.
Por exemplo: "O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque se for trabalhar, perde o Bolsa Família", afirmou em entrevista à Record News, em 2012.
"O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço. Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter que creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada", disse em entrevista ao documentarista Carlos Juliano Barros, em 2015.
O bolsonarismo nunca entendeu o Bolsa Família. Acredita que ele é distribuição de dinheiro pura e simples para vagabundo ou incapaz. Não vê que esmagadora maioria dos beneficiários trabalha sim e não quer ficar na miséria, mas precisa de uma mãozinha para comer enquanto isso não é possível - afinal, nem todos tiveram acesso à herança ou a oportunidades de educação de qualidade.
Aliás, o bolsonarismo não compreende que a transferência condicionada à frequência escolar e à vacinação dos filhos do Bolsa Família, junto com um atendimento humanizado por meio da assistência social, eleva a qualidade de vida e semeia o futuro dessas famílias, permitindo que cidadãos consigam sobreviver com mais dignidade.
Em sua preconceituosa matriz de interpretação do mundo considera que o programa reúne "desempregados profissionais" e é uma "fábrica inútil de produtores de filhos" porque é assim que uma parcela reacionária do país enxerga os pobres: um grupo interesseiro que, diante da oferta de uns caraminguás, prefere parar de trabalhar.
Essa visão também vem acompanhada de outro pensamento "motivacional" relacionado a quem vende que a prosperidade depende basicamente de uma mudança de "mindset": se eu venci na vida sem a ajuda do Estado, outros milhões também podem. Ou seja, se eu me estrepei a vida toda, outros também devem se estrepar. Solidariedade? Suporte mínimo do poder público? Fez xibiu, ninguém sabe, ninguém viu.
O que é irônico, porque muitos do que defendem esse ponto de vista não se furtaram a participar de quadrilhas que roubavam clientes de bancos, muito menos a surrupiar dinheiro público na forma de desvio de grana dos salários de servidores públicos ou de joias árabes doadas ao Brasil.