Apagões em SP são uma eficaz parceria do setor privado com o poder público
Mais de dois milhões de paulistas ficaram 24 horas sem luz depois que uma tempestade atingiu a capital e o interior no dia 3 de novembro do ano passado. Agora, mais de 1,6 milhão seguiam sem luz 14 horas após o temporal que atingiu São Paulo, nesta sexta (11), inclusive na capital. Até o momento de publicação deste lamento, não havia perspectivas de normalização.
Apesar do jogo público de empurra, tanto a Enel quanto a prefeitura são responsáveis pelas podas de árvores em São Paulo e, portanto, pelo problema. Ventos de mais de 100 km/h podem arrancar plantas saudáveis, mas em muitos pontos da cidade espécimes carcomidos por cupins ou com raízes podres caem com ventos bem mais fracos que isso.
Na busca por aumentar o seu faturamento, a Enel não faz o investimento necessário em manutenção preventiva da rede elétrica e reduziu a sua força de trabalho direta e indireta, o que faz falta em momentos de crise. Mas a prefeitura também não fez sua lição de casa quanto à remoção de árvores condenadas ou em situação de risco
"Ah, mas tratar disso em pleno segundo turno é interferir no jogo eleitoral", bradam alguns no intuito de proteger o prefeito. Não, não é. Ricardo Nunes é candidato à reeleição, mas continua o responsável pela administração da cidade e pelas decisões que tomou até agora.
Tanto no ano passado quanto agora, sentindo que estava sendo arrastado para a lama junto com a Enel, ele trata de pedir a cabeça da empresa. E diz que o tema da concessão é federal, não municipal.
Sim, mas a zeladoria é municipal.
Sempre defendi aqui que eleições deveriam ser movidas para época de chuvas no Brasil, pelo menos no Sul e no Sudeste, porque a memória de muita gente seca com o passar do tempo. As mudanças climáticas, infelizmente, atenderam a minha sugestão.
Mas não tenho muita esperança que isso levante um debate real. Tem mais gente interessada em saber o que pensam os candidatos sobre Venezuela e Hamas do que sobre a capacidade da cidade de fazer frente às mudanças climáticas.
Os seis mortos em novembro de 2023 e os sete, até agora, deste último temporal deveriam ser o bastante para que priorizássemos a adaptação da capital e do interior para um futuro de eventos climáticas extremos.
Moradores de regiões protegidas, que nunca precisarão se preocupar se o seu barraco está em área de risco, sentiram seu cotidiano mudar com a falta de energia em ambos os casos. Tragédia das tragédias, não há eletricidade para recarregar o celular para checar zap e redes sociais. Em alguns locais, o apocalipse: a internet caiu.
Responsabilizar o poder público e o setor privado é parte importante da questão, mas não a esgota. Esquentamos a temperatura média do planeta, aumentando a frequência de eventos climáticos extremos. Semanas atrás, não conseguíamos respirar com a fumaça de queimadas. Agora, estamos molhados e no escuro.
Precisamos preparar São Paulo para essa nova realidade, cuidando principalmente de quem pode perder a vida e todo o seu pouco patrimônio. Dá emissão de gases dos automóveis até o consumo desenfreado que ajuda a desmatar a Amazônia.
São Paulo é vítima do clima, mas também seu algoz. E somos todos cúmplices disso, tanto pelas nossas escolhas políticas, quanto pelo nosso comportamento de consumo.