Leonardo Sakamoto

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Opinião

Eleitor de Lula não o colocou na Presidência para cortar educação e saúde

É óbvio que o governo Lula não faz as mesmas loucuras que o governo Bolsonaro em termos de responsabilidade fiscal. A Faria Lima fechou os olhos para as estripulias de Paulo Guedes em nome da reeleição do "mito" e agora alerta o fim do mundo por causa de comentários do petista.

Dito isso, vale reforçar que o eleitor do atual presidente não o colocou lá para desvincular educação e saúde do orçamento, nem tungar o pagamento do BPC (voltado a idosos e pessoas com deficiência miseráveis), muito menos o seguro-desemprego (que, como o nome já diz, banca quem foi lançado à própria sorte), como defendem alguns. Para poupar rico e jogar só nas costas dos pobres, faria mais sentido ter deixado o Jair.

Há gente boa e realmente preocupada com o país entre os que defendem que Lula deve aceitar cortes agora, garantir que o Brasil alcance grau de investimento nas agências de risco e, então, com a entrada de recursos decorrentes disso, possa executar uma política social melhor. Faz sentido. O problema é que, nessa equação, não está o povaréu que, desde a ditadura, ouve que o bolo precisa primeiro crescer para, depois, ser dividido. E, assim como a espera pelo Godot, de Samuel Beckett, a fatia do bolo nunca chega.

É mais fácil encontrar gente poderosa defendendo limitar o orçamento para creches, escolas e hospitais públicos e desvincular do salário mínimo pensões, aposentadorias e BPC dos pobres do que achar quem empunhe a bandeira de taxar decentemente os super-ricos. Ou limitar as deduções em saúde no Impostos de Renda das classes alta e média alta.

Lula prometeu na campanha que iria colocar os ricos no Imposto de Renda, mas está longe de cumprir isso. Tanto que essa discussão, que representa a segunda etapa da Reforma Tributária, vai ficar para o ano que vem, na melhor das hipóteses.

Pois é mais simples o tal camelo passar pelo tal buraco da tal agulha do que esse Congresso aprovar um IR realmente progressivo e taxação de grandes fortunas. A discussão dos impostos sobre rendimentos é tema tão difícil de ser encontrado nos corredores do parlamento como cabeça de bacalhau ou filhote de pombo.

Isentos de serem tributados pelos dividendos que recebem, os super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Atenção a quem parcelou seu Renegade em 24 vezes: você não é super-rico, apesar de achar que é, então pare de se assanhar.

Justiça social vem através de melhor taxação, mas também de proteção aos gastos fundamentais. E é muito cômodo para nós, os mais abastados, pedirmos paciência para que direitos fundamentais sejam garantidos aos mais vulneráveis só depois de todos os ajustes fiscais.

Pressionado para garantir paz com os donos e operadores do dinheiro grosso (lembrando, novamente, que o governo Bolsonaro pedalava com precatórios e ainda assim ganhava sorrisos apaixonados de farialimers), o governo discute o que fazer.

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Independentemente da conclusão a que chegar, menos dinheiro para papel higiênico para a criançada na creche, para gaze e aspirina no posto de saúde e para os idosos e doentes se equilibrarem seria o fim da picada.

Corre-se o risco de que pautas que não prosperaram durante a gestão Paulo Guedes, muito por conta da pressão da oposição petista, agora caminhem sob um governo Lula. O PT sabe que se passar algo que relativize gastos em educação e saúde, vai dar chabu. Lula também, tanto que voltou a avisar, nesta quarta (16), que educação e saúde públicas não são gastos.

Governos precisam ser cobrados a fazer despesas racionais, eliminando aquelas desnecessárias ou que privilegiam castas. Boa parte do debate público, contudo, deliberadamente "esquece" que desoneração de folha de pagamento, tema que ocupa noticiário há meses, é gasto público. É benefício, portanto, renúncia fiscal. Quando se propõe cortar renúncia fiscal, os grupos de lobby poderosos infartam, ocupam horas em canais de TV, alertam para o fim do mundo, fazem beicinho de reprovação. Mas, quando se discute cortar de quem tem pouco, abrem sorriso.

Como aqui já escrevi, tirar dos muito, muito ricos não vai resolver as questões fiscais do país. Mas é muita sacanagem, para usar uma expressão leve, que o debate da saúde financeira gire em torno de subtrair cascalho usado para garantir um mínimo de dignidade a quem tem menos enquanto ignora-se a discussão sobre taxar os que mais têm.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL