Bolsonaro se humilha diante de Trump para manter controle da direita
Era esperado que o ex-presidente Jair Bolsonaro usasse a avassaladora vitória de Donald Trump para vender a ideia de que ele também voltará de forma triunfal. E que utilizasse a trajetória da extrema direita nos Estados Unidos para tentar manter o controle sobre esse campo no Brasil, após ser desafiado por políticos nestas últimas eleições.
Mas ele foi muito além disso e se colocou como um verdadeiro pet de Trump na entrevista que deu a Camila Mattoso e Ranier Bragon, na Folha de S.Paulo, publicada nesta quinta (7). Tentando vender proximidade com o presidente eleito, soltou frases constrangedoras para um ex-presidente da República:
"Fui o último chefe de Estado a reconhecer a vitória do Biden, ele não esquece isso. E eu sei o meu lugar perto dele. Eu estou para ele como o Paraguai está para o Brasil."
"Ele me tem como uma pessoa que ele gosta, é como você se apaixonar por alguém de graça, né? Essa paixão veio da forma como eu tratava ele, sabendo o meu lugar."
"É um país que é a maior democracia do mundo, projeta poder, que fez valer a sua força, não tivemos conflito no mundo enquanto o Trump estava lá. E ele gosta de mim."
Tanto que seu governo cometeu uma diplomacia do paga-lanche diante de Trump. Renovou a cota de etanol dos EUA que pode entrar no Brasil sem pagar imposto de importação, apesar de o Ministério da Agricultura ter sido contra e os produtores brasileiros chiarem. E isso logo após a redução a cota de aço semiacabado que o Brasil pode vender a eles sem tarifas.
Há dois movimentos nessa sessão de auto-humilhação pública que vem sendo cometida por Bolsonaro.
Primeiro, anuncia o óbvio: o bolsonarismo-raiz no Congresso Nacional vai usar a eleição de Trump para tentar aprovar o projeto de anistia a golpistas. Para tanto, voltará a usar a pressão de congressistas norte-americanos ideologicamente alinhados, como Jim Jordan, então presidente do Comitê de Assuntos Jurídicos da Câmara de lá, que foi para cima do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Só vai ser divertido ver autointitulados "patriotas" defendendo os Estados Unidos imporem barreiras comerciais aos produtos brasileiros só para ver Jair elegível novamente.
O segundo movimento, e talvez até mais importante, seja o de tentar manter o controle sobre a extrema direita brasileira. Na política, mais relevante que o poder passado é a perspectiva de poder futuro. Inelegível e com alto risco de ser preso após condenado pela Suprema Corte por atentar contra o Estado democrático de direito, Bolsonaro foi derrotado nas capitais no segundo turno das eleições.
Relembrar é viver: dos candidatos que abraçam o autointitulado mito, apenas o fanfarrão Abilio Brunini venceu em Cuiabá. Perdeu em Belém, com Éder Mauro, em Curitiba, com Cristina Graeml, em João Pessoa, com o Marcelo Queiroga, em Manaus, com o Capitão Alberto, em Palmas, com Janad Valcari, em Porto Velho, com Mariana Carvalho, em Goiânia, com Fred Rodrigues, em Fortaleza, com André Fernandes, em Belo Horizonte, com Bruno Engler.
O centrão, após vencer a esquerda no primeiro turno, ganhou do bolsonarismo no segundo. Isso mostra não apenas a força das emendas parlamentares encaminhadas pelo Congresso Nacional às suas bases, mas também coloca em xeque Bolsonaro como o grande cabo eleitoral da direita.
Com ele inelegível por oito anos, nomes da direita questionaram a sua hegemonia durante o pleito. Bateu de frente com os presidenciáveis Ronaldo Caiado e Ratinho Júnior e perdeu, viu Tarcísio de Freitas ascender e ele submergir em São Paulo, botou o rabo entre as pernas diante de um Pablo Marçal que mostrou que o rebanho da extrema direita pode se encantar por outro berrante (sendo apoiado por deputados bolsonaristas, inclusive) e é questionado até dentro do PL.
O bolsonarismo é extremamente competente em pautar os seus temas na imprensa e na sociedade. Mal Trump havia sido considerado vencedor das eleições e as páginas de veículos de comunicação já estavam inundadas de entrevistas com aliados de Jair garantindo que ele estará elegível. E que a mudança de poder nos EUA era um passo importante para isso, o que ele próprio reafirmou na entrevista à Folha.
Trump não estava inelegível por oito anos após ser condenado pela Justiça de seu país quando ganhou as eleições nesta terça. Bolsonaro, sim. O Tribunal Superior Eleitoral o condenou por abuso de poder econômico nas eleições de 2022 e nada indica que a corte e o STF aceitarão uma volta atrás. Mesmo que um projeto nesse sentido seja aprovado no Congresso, pois será inconstitucional.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberBolsonaro sabe disso. Por isso, mostra-se como BFF de Trump. A questão é que o norte-americano tem interesses ideológicos sim, mas gosta mais de gente com perspectiva de poder, o que falta a Jair agora. E, nesse sentido, Eduardo Bolsonaro tem mais contato com o presidente eleito que o seu pai.
Mesmo assim Bolsonaro vai tentar vender uma proximidade, mesmo que de forma humilhante, para mostrar a seus aliados e seguidores por aqui que ele é amigo do novo imperador. Corre o risco de passar como bobo da corte.