Leonardo Sakamoto

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Opinião

Câmara cassar Brazão por faltas e não pela morte de Marielle é um escárnio

A prisão do ex-presidente Fernando Collor jogou para segundo plano um escárnio cometido em Brasília nesta quinta: a cassação do mandato de Chiquinho Brazão (sem partido) por... excesso de faltas nas sessões da Câmara dos Deputados. Com isso, o Congresso Nacional aponta que não bater ponto é pior do que ser acusado pela Polícia Federal de mandar matar a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes.

Brazão só deixou de comparecer "à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertence", como prevê a regra que prevê a cassação, porque está em prisão domiciliar por ordem do Supremo Tribunal Federal. Aliás, a Câmara quase não autorizou o encarceramento do deputado, que teve 277 votos, quando 257 eram necessários. Bateu na trave.

Desde então, os parlamentares podiam ter defenestrado Brazão de vez, mas preferiram fazer a egípcia. O Conselho de Ética havia o condenado à perda de mandato em agosto de 2024, mas o assunto estava pendente. Agora, a mesa diretora da casa cassou o mandato pelas faltas, sem necessidade de passar por votação no plenário.

Com a falta de recado claro à sociedade, a Câmara mostra que não se importa se parlamentares federais mandam executar parlamentares municipais. Faltou coragem ou sobrou oportunismo.

Ao mesmo tempo, a cassação de Brazão abre caminho para a de Glauber Braga (PSOL-RJ), que também foi condenado no Conselho de Ética devido a uma agressão a um militante de extrema direita.

Indignado com o que é uma vingança por ter batido de frente com o ex-presidente Arthur Lira (PP-AL) e seu grupo político, Braga fez greve de fome. Sob a promessa do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de discutir o assunto com calma, ele deixou a greve, mas o seu mandato segue ameaçado.

A questão aqui não é que ele não deva ser punido, mas a dosimetria da pena - palavra que entrou na moda recentemente por conta dos atos golpistas.

O bolsonarismo e setores do centrão foram aguerridos na defesa da liberdade de Brazão quando a Câmara chancelou a sua prisão. Venderam a ideia de que a libertação não tinha a ver com ele, mas era um recado ao STF e ao ministro Alexandre de Moraes de que o Poder Judiciário não manda no Legislativo.

Na verdade, os principais recados foram à sociedade: 1) mandatos parlamentares servem sim para cometer e acobertar crimes; 2) mexeu com miliciano, mexeu comigo; 3) quem mandou Marielle ser negra, de origem pobre e LGBTQI+?

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Para um grupo acostumado a bradar "bandido bom é bandido morto", a defesa de Brazão foi como se colocassem um adendo: "bandido bom é bandido morto, com exceção dos nossos, daí bandido bom é bandido livre". O que surpreende não é o comportamento deles, mas de quem consome isso bovinamente e acha normal.

Infelizmente, tudo isso ficará para a História como uma provocação à sociedade, um lembrete de que a Casa do Povo, neste momento, é também a Casa da Mãe Joana.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL