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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sejamos francos, nem tem o que debater nessa eleição

Colunista do UOL

27/07/2022 04h00

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Confesso que, por pressão social e conformidade de grupo, também andei dizendo aos quatro ventos que é um absurdo eleição presidencial sem debate. Postei exatamente esta frase no Twitter.

É uma platitude porque o buraco é muito mais embaixo e eu sabia disso quando postei. Ocorre que estava diante de mim uma oportunidade de parecer inteligente e não ser xingada. Não resisti.

A verdade é que há muito tempo ninguém debate coisa nenhuma no país. E o formato dos debates televisivos, parado no tempo, alheio à realidade da segunda tela da era digital, também não é tão interessante assim para os candidatos que lideram.

Dali não vão conseguir nada que não conseguem com seus próprios eventos e postagens, com ampla repercussão na imprensa. Aliás, conseguem sim, umas cascas de banana para escorregar e meia dúzia de perguntas incômodas.

Presidentes não costumam ir a debates de primeiro turno. Foi assim com Fernando Henrique e Lula. Só Dilma Rousseff foi. Sorte já sabemos que não dá.

Jair Bolsonaro parece que vai copiar seus antecessores e não vai mesmo. Lula aproveitou para inaugurar a era em que ex-presidente também não vai a debate de primeiro turno.

Em vez de prosseguir com as cadeiras vazias, a CNN resolveu cancelar seu debate. O PT propõe debates com um "pool" de emissoras, o que exala um perfume democrático inconfundível. Só falta decidir o formato, as perguntas e onde cada candidato se posiciona no cenário.

Na eleição passada, Lula queria participar de debate até de dentro da cadeia. Para muitos luloafetivos, o debate virou sinônimo de democracia, já que o grande líder parecia gostar demais disso.

Talvez ele estivesse só entediado e com umas verdades entaladas na garganta. Agora está cheio de coisa para fazer, recém-casado com sua Janja, rodando o país. Vai ao debate debater exatamente o quê?

Debates eleitorais funcionam quando temos uma noção de país e queremos discutir ideias e planos para o futuro. Sejamos francos, isso é uma chatice danada e ainda faz a gente se sentir burro.

Quando começa aquela coisa de tripé macroeconômico e superávit primário, a gente toma consciência de que não era tão inteligente quanto pensava enquanto gritava palavras de ordem sobre neoliberalismo ou comunismo.

As torcidas organizadas de político sempre acham que ele tem razão, ganhou o debate e foi agredido por todos os demais. São minoria, mas entopem as redes sociais e ganham amplificação na imprensa.

Poucas vezes apanhei tanto quanto nas eleições de 2018. A militância de Jair Bolsonaro reclamava que Marina Silva tinha sido agressiva com ele num debate. Sim, Marina Silva agressiva, era esse o argumento.

Eu não aguentei e perguntei: "mas o Bolsonaro é capitão ou bailarina?". Até ameaça de morte me fizeram. Deve ter sido o auge da minha carreira, merecer ameaça de quem não aguenta uma piada.

Lula e Bolsonaro não planejam uma eleição em torno de ideias, mas um confronto de dois projetos de poder que se colocam como antagônicos e numa luta do bem contra o mal. Nesse cenário, debate mais atrapalha que ajuda.

Sendo uma tela em branco, tanto um quanto outro se convertem automaticamente nas projeções que fizerem seus eleitores. Um debate é a implosão desse processo, uma redução do espaço imaginário de projeção dos desejos sobre a figura do candidato.

O ponto central é que candidatos à presidência só fazem isso quando podem. E os nossos podem. A falta de respeito com o eleitorado não afeta o número de votos. O pessoal faz um post indignado, como o que eu fiz, e depois esquece.

Alguém disse que, pelo andar da carruagem, periga cancelarem a eleição e colocarem Lula e Bolsonaro para decidir o vencedor no Jogo dos Pontinhos do Silvio Santos, sem participação do eleitorado. Melhor não dar ideia.