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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A eleição será sobre economia ou sobre a religião de Michelle e democracia?

O presidente Jair Bolsonaro com a primeira-dama Michelle Bolsonaro em culto evangélico - Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro com a primeira-dama Michelle Bolsonaro em culto evangélico Imagem: Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

12/08/2022 16h46

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Se a eleição for sobre economia e sobre as consequências insuportáveis da distribuição desenfreada de armas, Jair Bolsonaro tende a perder.

Já se a eleição for sobre manter nossa belíssima democracia e esculachar a religiosidade da primeira-dama Michelle Bolsonaro, Jair Bolsonaro tende a ganhar.

É uma escolha muito difícil para a elite progressista.

A vida é uma questão de escolhas e de prioridades. Nessa fatia da população, as principais delas são evitar parecer burro e procurar parecer virtuoso.

Para isso, tanto a luta para parecer lutador pela democracia quanto esculachar evangélico caem como uma luva. Discutir problemas reais de pessoas reais não.

Ocorre que, embora tenha muita voz, espaço na imprensa, status, dinheiro, prestígio e poder, essa elite progressista não é maioria. E daí temos uma escolha muito difícil para as campanhas.

Políticos precisam de voto, de financiamento e de networking. Estamos numa eleição em que o pessoal que conta como voto está interessado em coisas diferentes do que o pessoal que ajuda com financiamento e networking.

Só que no palanque de Jair Bolsonaro esse conflito de interesses não acontece. A elite ali também quer falar da religião de Michelle e da democracia, mas para contrapor o que dizem as elites dos outros palanques.

O caso é que debater esses temas só é bom para a candidatura do presidente. Em primeiro lugar, ele elimina a desvantagem que só quem está no governo tem: enfrentar um referendo sobre a vida real.

Nenhum outro candidato será confrontado com erros reais, que ocorrem inclusive em bons governos. Jair Bolsonaro está diante de algo que mais parece um descarrilamento ferroviário. Natural preferir assuntos mais distantes da prática.

A campanha de Lula tinha tudo para fazer o que estão fazendo, por exemplo, as de Ciro Gomes e Simone Tebet. Poderia falar de projetos concretos de governo e debater o que importa.

A maioria do povo está vivendo da mão para a boca. Falar de democracia pode ser nobre e é necessário, mas não ganha eleição. Além de parecer abstrato demais, o povo não se sente representado pelo modelo de democracia que temos. Verdade seja dita, efetivamente não é.

Ciro Gomes bateu em Jair Bolsonaro por fazer uma política econômica que sobe o preço do leite e abaixa imposto de veleiro e jet ski. Fosse alguém com mais espaço de mídia, como Lula, batendo nessa tecla, talvez Jair Bolsonaro não estivesse se recuperando.

Ocorre que a campanha do petista ficou enredada em debater democracia e a religiosidade de Michelle Bolsonaro porque também não tem um projeto concreto.

Tanto Jair Bolsonaro quanto Lula estão querendo cheques em branco e precisam se apresentar como telas em branco. Só que o nível de exigência do bolsonarista é zero. Já quem vota em Lula sempre esteve acostumado a um programa de governo robusto.

A campanha de Lula tentou ganhar de Bolsonaro no tabuleiro em que ele é invencível, o do personalismo, factóides, autoritarismo e a militância agressiva que ofende sem dó quem não se curva totalmente ao pacote ideológico.

Dificilmente vai funcionar. Se o embate for de personalismo e autoritarismo, por mais que Lula adore flertar com tudo quanto é ditadura nas Américas e na África, Bolsonaro ganha de lavada.

Há dois debates que são espinhosos para o bolsonarismo e a presença de Michelle tentará manter cada dia mais longe das manchetes. O primeiro é o preço dos alimentos. O outro é o inferno que as famílias e comunidades estão vivendo com tanta gente armada.

Resta saber se a eleição será sobre aquilo que interessa a pessoas reais com sofrimentos reais ou sobre libelos morais e lutas do universo simbólico.