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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula x Michelle: a eleição será sobre Deus e demônios

Colunista do UOL

17/08/2022 11h58

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Michelle Bolsonaro já virou um fenômeno eleitoral à parte. No lançamento da candidatura do marido, em Juiz de Fora, a multidão gritava o nome dela enquanto ele tentava falar.

Aliás, ali parecia que a candidata era ela. Jair Bolsonaro era o vice. O general Braga Netto tinha um destaque equivalente ao de "primeiro-damo", uma espécie de figura decorativa da campanha.

Foi Michelle quem lançou oficialmente e na linha de frente do debate político a guerra de Deus contra os demônios. Num primeiro momento, usando o tradicional salto 15, a campanha do PT derrapou no contraponto.

Janja foi escalada para dizer que respeita todas as religiões mas sem defender a própria, um discurso que só faz sentido fora do meio religioso. O primeiro respeito à religião é defender a sua.

Agora Lula mergulha de cabeça no debate religioso, com ajuda de André Janones nas redes. Embora os dois tenham acertado a mão, é um terreno pantanoso para o petismo e tende a favorecer o bolsonarismo.

Há um abismo de distância entre a forma como Lula aborda a pauta religiosa e como sua militância faz, principalmente a camada mais barulhenta nas redes, os Che Guevaras de apartamento.

A elite progressista considera que todo evangélico é um imbecil juramentado. São os justiceiros sociais do tipo Justo Veríssimo, que se entregam ao analisar esse público assumindo a própria superioridade intelectual e moral.

Lula não cai nisso. Tem vivência no meio social em que religião é realmente importante e sabe falar com o povo sem demonstrar arrogância ou usar tom professoral.

Na abertura de sua campanha, fez um golaço, dando uma no cravo e outra na ferradura. Falou de economia de um jeito emocional e que o povo entende. Disse que não é justo o maior produtor de carne bovina do mundo ter mãe na fila do osso do mercado.

Esse é o calcanhar de Aquiles de Jair Bolsonaro, a realidade, a economia, o conjunto da obra do governo. Quando o debate é centrado em fatos reais, o bolsonarismo tende a perder porque a vida das pessoas está muito difícil.

Ocorre que Lula também tem seus problemas em permanecer falando só de realidade. Ciro Gomes, que foi ministro dele, declarou ter avisado o então presidente sobre a corrupção no governo e ele compactuou com os corruptos.

A imprensa foi perguntar a Lula se Ciro realmente avisou sobre corrupção no governo antes do estouro dos diversos escândalos. Lula respondeu que não vai levar Ciro a sério, ou seja, não disse nem que sim nem que não, muito pelo contrário.

Um debate quente sobre economia entre Ciro, Lula e Tebet pode enfraquecer bastante a candidatura presidencial, que certamente vira uma atraente vidraça.

Se entrar então na realidade das pessoas depois da liberação de armas, vai tocar em infernos individuais que precisam de solução. Bolsonaro ficaria numa situação dificílima.

Mas, se Lula for falar só de realidade, ele também perde. Se os luloafetivos não questionam seus erros, à semelhança dos bolsomínions, a maioria dos eleitores vai questionar.

É por isso que compensa para Lula fazer a campanha contra Michelle e tentar decidir quem está do lado de Deus e quem está com os demônios.

A ideia de dizer que Deus usa Lula e Bolsonaro usa Deus é um golaço porque fala a língua do povo e toca no ponto de conflito do bolsonarismo com os evangélicos, a idolatria ao político.

Relacionar Bolsonaro a mentiras e depois a demônios também foi uma ideia eficiente, já que Lúcifer é, no meio evangélico, o "pai da mentira".

Ocorre que Bolsonaro está resolvendo o problema dos pastores com a Receita Federal e eles vêem a ofensiva de multas e impostos sobre a prebenda como ligada ao petismo.

Na militância lulista, a ideia de que igrejas devem pagar impostos encontra muito eco. Como a liberdade religiosa não é importante para esse público, também não entendem a separação entre Igreja e Estado.

Controle fiscal sobre igrejas é uma das formas mais usadas por ditaduras para interferência estatal. O progressismo, no entanto, bebe das fake news de que a taxação é feita em democracias desenvolvidas, algo que jamais ocorreu.

Resta saber se Lula e Janones conseguirão dialogar diretamente com o eleitorado evangélico, como faz Michelle, ou se os lulistas que xingam e ridicularizam evangélico o dia inteiro já derrubaram todas as pontes.