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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ciro tenta transformar guerra santa em eleição. O Brasil quer?

Colunista do UOL

24/08/2022 12h23

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Estamos chamando de eleições, mas vivemos uma guerra santa. Bolsonaro e Lula disputam para ser representantes diretos de Deus contra o demônio, que seria o outro. A imprensa descobriu que evangélicos existem. Estamos todos empolgadíssimos.

Na grande chance de aparecer para fora de sua bolha na campanha, a entrevista no Jornal Nacional, Ciro Gomes meio que jogou água nesse chopp. Ele propõe uma eleição mesmo, dessa em que você vota no projeto ou em um ser falível de carne e osso.

É mais racional, mas também menos empolgante. Se isso vai funcionar ou não, depende da reação do eleitorado às entrevistas de todos os outros candidatos.

Ciro Gomes quer se colocar como alternativa tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Acerta ao falar num canhão de audiência sobre os problemas que realmente deixam a população sem sono.

Novamente, a opção da pauta foi pelos temas que interessam à classe média e alta, algo bem parecido com o que foi tratado com o presidente Jair Bolsonaro.

O tom, no entanto, era diferente. Jamais saberemos se houve correção de rumos após as pessoas reclamarem da postura professoral e das interrupções ou se realmente há mais respeito intelectual por Ciro Gomes.

Para quem se coloca como pacificador, a postura serena é boa. Por outro lado, não rivalizar com os jornalistas, apontados pelos nossos populistas como representantes das "elites", pode ter seu preço.

Ele foi muito hábil ao colocar em pauta, mesmo sem ser provocado, temáticas como fome, velhice sem previdência, renda mínima e uma ousada proposta de solução de dívidas.

Falou também sobre novas formas de negociar com o Congresso Nacional, uma visão diferente e menos empolgante, do debate sobre corrupção.

Ao falar sobre pacto com prefeitos e governadores, abre interlocução fora dos grandes centros. Na parte em que fala da cultura das famílias que vivem hoje na Amazônia, propõe ponderação com o cidadão e dureza com quem realmente é delinquente.

Claramente Ciro Gomes apostou tudo na audiência do Jornal Nacional. Muita gente ouviu o que ele disse, como apontam os dados do Google.

As palavras incomuns que ele usou, como "enforcement", vassalagem e plebiscito tiveram aumento significativo nas buscas do Google Brasil. A segunda tela já é uma realidade e traz informações importantes para a eleição.

Embora a entrevista tenha feito um retrato muito favorável de Ciro Gomes, resta saber se ele entrega a utopia que o brasileiro quer. A maioria parece optar pela utopia de um líder forte, um pai nacional que resolva todos os seus problemas e ainda humilhe seus adversários.

Ele chega propondo o oposto, inclusive que o governo não seja centrado na sua figura mas em ideias. É o que a maioria dos brasileiros racionalmente vai dizer que defende. No entanto, não é assim que a maioria se comporta.

Minha amiga Marcela Barbara, dona da Somar Pesquisas, me ensinou muito sobre a alma humana. "O salário é sempre baixo, o preço é sempre alto e o sexo é três vezes por semana", diz sempre.

Nós costumamos vocalizar aquilo que queremos ser, nossos julgamentos morais. É uma arte saber diferenciar a realidade da imagem que as pessoas fazem de si próprias. Essa é a grande pedra no sapato de Ciro Gomes.

O Brasil diz querer um projeto de futuro mas está aí "por ser feito" desde sempre, como dizia Nelson Rodrigues. Ninguém assume de verdade essa tarefa e não há torcida para que isso aconteça.

Estar do lado certo da história, dar o troco na esquerda esnobe ou participar de uma guerra santa mobilizam muitíssimo mais do que falar de coisa chata feito eleição.

Há ainda o efeito Jockey Clube, do qual falava sempre o inesquecível Jô Soares. O brasileiro vota em quem acha que vai ganhar, simples assim.

Jair Bolsonaro e Lula são candidatos mais fortes e que têm subido o tom constantemente. Representam um duelo que ficou pendente devido à prisão do petista nas eleições passadas.

Ciro Gomes defende que seu projeto de país - que pode dar certo ou errado - é mais importante que finalmente tirar a limpo essa guerra santa em clima de final de novela das 8. Resta saber quantos vão concordar com ele.

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