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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula gourmet fala duas vezes em fascismo e nenhuma em Fome Zero

Colunista do UOL

26/08/2022 12h10

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Lula não falou uma única vez em Fome Zero e nos 10 milhões de empregos que gerou. É tão inacreditável que eu fiz questão de ouvir duas vezes a entrevista inteira no Jornal Nacional para ter certeza. Talvez seja o maior desperdício de oportunidade dessa campanha.

As últimas pesquisas mostram que Lula cresceu entre os ricos e perdeu terreno entre os evangélicos e a população que ganha de 2 a 5 salários mínimos. Tem ainda prevalência entre os mais pobres.

Analisar se Lula vai bem numa entrevista é uma tarefa difícil porque talvez ele só seja comparável com ele próprio. Estamos diante de um dos maiores oradores da história do Brasil e da política internacional.

Lula indo mal vai obviamente melhor que Bolsonaro indo bem numa avaliação técnica de entrevista. Outra coisa é o que essas performances significam efetivamente pelo eleitorado, que já tem su visão de um e de outro.

Foi um erro estratégico se estender tanto e se aprofundar tanto nos detalhes da corrupção nos governos do PT. É um tema que só interessa à classe média e geralmente a opinião formada das pessoas não será revista só porque é disparatada dos fatos.

A candidatura de Jair Bolsonaro se beneficia de todo e qualquer tipo de debate que fuja da realidade da miséria e da falta de perspectiva das pessoas. O pior inimigo dele é seu governo.

Por isso, falar de corrupção, religião, MST e "fascismo" beneficia Jair Bolsonaro. A discussão fica posta no terreno do imaginário sanguíneo, regido pelas emoções.

O Lula da Vila Euclides teria falado "Fome Zero" em todas as respostas. Mas fomos apresentados ao Lula gourmet, idolatrado pela esquerda chão-de-taco e samambaia dos bairros nobres de São Paulo e Rio de Janeiro.

O pessoal que quer combater o fascismo no Twitter e fingir que é revolucionário comprando arroz orgânico na feirinha do MST na Vila Madalena deve ter ido ao delírio. Foi chancelado no Jornal Nacional por seu ídolo e salvador.

Usar a palavra "fascista" para falar do agro foi, definitivamente, um erro monumental. Eu, francamente, jamais esperava uma escorregada dessas de um dos mestres da retórica política.

Depois ele tentou consertar, mas é impossível. Há palavras que interditam pensamentos. Hoje, fascismo é uma delas. As pessoas pulam para as conclusões sem fazer o raciocínio.

O mais impressionante é que Lula tem o que apresentar e o que dizer sobre aquilo que tira o sono dos brasileiros: a fome e a falta de empregos.

A maioria da população não lembra mais do Fome Zero e da promessa de geração de 10 milhões de empregos, suas bandeiras da campanha vitoriosa em 2002. Ele executou isso, tem o que mostrar, tem o que falar.

Optou por lavar roupa suja sobre corrupção, chamar os outros de fascistas e mentir sobre a tolerância do PT ao divergente.

É verdade que Geraldo Alckmin e Lula estão em sinergia e não requentam ódios. Mas é descaramento dizer que a militância do PT aceitou Alckmin e não é sectária.

Os mais aguerridos estão o dia inteiro em rede social xingando de fascista e nazista todo mundo que fizer o menor questionamento sobre Lula.

O próprio Janones, chancelado pelo candidato, anda perseguindo professores universitários e jornalistas, que chama de "vermes".

Uma entrevista bem sucedida é quando o candidato coloca os temas que interessam a ele no meio das perguntas que são feitas. Lula é forjado no confronto e sempre foi mestre nisso, mas parecia destreinado.

Viver cercado de bajuladores tem seu preço.

Nada disso, no entanto, importa tanto quanto a utopia que o candidato pode apresentar. Lula tinha uma e foi bem ao dizer que combina sua experiência com a do governador Alckmin.

Acertou também ao dizer que pode fazer ainda mais do que já fez porque não sabia ser possível. Faltou dizer claramente o que já fez. Eu imaginei que ele faria uma cola na mão escrito "Fome Zero".

A grande questão é se essa entrevista rende ou não votos a Lula. No caso dele, existe uma reputação que o precede. Indo bem ou mal, resta saber se a atuação acendeu a centelha de esperança que remonte aos bons tempos econômicos do seu governo.

Lula é um líder populista e carismático. O que ele diz ou deixa de dizer são coisas menos importantes do que sua conexão direta com o público que deseja atingir.

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